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São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 2003

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Para ex-diplomata, EUA têm de achar armas químicas

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Os EUA precisarão mostrar provas de que o Iraque possui armas químicas e/ ou biológicas para justificar o ataque ao país. É o que diz o americano Richard W. Murphy, 73, ex-secretário assistente de Estado para o Oriente Médio durante o governo Ronald Reagan (anos 80).
Segundo ele, o governo americano está convencido de que o Iraque possui armas de destruição em massa e poderia transferi-las a grupos terroristas.
Entretanto não conseguiu convencer o mundo dessa grave ameaça. "Por isso, será necessário mostrar as evidências de que os programas de armas de destruição em massa de fato existem. Mas isso só poderá ser feito após a guerra", afirma.
Especialista em Oriente Médio e sul da Ásia da Universidade Americana de Beirute, Murphy foi embaixador dos EUA na Arábia Saudita (1981-83), nas Filipinas (1978-81), na Síria (1974-78) e na Mauritânia (1971-74). De 93 a 2001, foi presidente do Instituto para o Oriente Médio, em Washington.
Leia abaixo entrevista concedida à Folha.
 

Folha - Não há dúvidas que Saddam Hussein desrespeitou as resoluções da ONU durante 12 anos e que o regime iraquiano é um horror. Mas essa guerra realmente tornará os Estados Unidos e seus aliados mais seguros?
Richard W. Murphy -
O objetivo é exatamente esse, mas, nesse momento, não é possível prever que resultados a guerra terá para a segurança da região e dos EUA. Depende de como ela terminará, ou seja, do êxito dos EUA em manter a lei e a ordem após o fim das hostilidades e de como se processará a transferência de poder para um novo governo escolhido pelos iraquianos e que seja representativo. Mas não tenho dúvidas de que o regime será deposto.

Folha - Outro argumento da administração Bush é que a derrubada de Saddam seria o primeiro passo para levar mais democracia ao Oriente Médio. O sr. acredita nisso?
Murphy -
Não sou muito otimista de que isso possa ser atingido. Praticamente todos os regimes da região são autocráticos, mas cada país tem uma história, os sistemas são diferentes. Mesmo no caso do Iraque, não é claro até que ponto será possível democratizá-lo.
Creio ser possível criar um sistema mais aberto, mas não será algo rápido. Acho que a idéia de democratizar toda a região não representa verdadeiramente uma política do governo dos EUA. Algumas pessoas na administração e na mídia pensam assim, mas não é uma determinação do governo como um todo.
O real objetivo da guerra é derrubar o regime de Saddam para eliminar suas armas de destruição em massa. Pois ele poderia dividi-las com organizações terroristas, o que constituiria uma ameaça direta à região e ao mundo. É a única razão lógica para essa guerra.

Folha - Se os EUA não encontrarem essas armas, será muito difícil justificar o ataque.
Murphy -
Para aqueles que duvidam que o Iraque tenha armas não-convencionais, pergunto: por qual outra razão o regime sacrificaria pelo menos US$ 100 bilhões de recursos da venda de petróleo, como resultado das sanções econômicas, se não fosse para esconder algo? O que poderia estar escondendo além de armas de destruição em massa? Não há outra resposta.

Folha - Há elementos para crer que Saddam Hussein tenha ligações com grupos terroristas e pudesse transferir a eles essas armas?
Murphy -
Essa é a convicção da atual administração nos EUA, e isso foi apresentado ao Conselho de Segurança por Colin Powell [secretário de Estado] em fevereiro passado.

Folha - Ele foi convincente?
Murphy -
Não foi convincente de maneira geral, mas foi convincente para o governo americano.

Folha - E isso é suficiente para o resto do mundo?
Murphy -
Não foi suficiente. Por isso, será necessário mostrar as evidências de que os programas de armas de destruição em massa de fato existem. Mas isso só poderá ser feito após a guerra.

Folha - Outro motivo pelo qual o mundo está tão cético é porque as pessoas acham que os EUA estão, na realidade, interessados no petróleo iraquiano.
Murphy -
Essa guerra não é por causa de petróleo. Em 1990, a questão do petróleo foi importante para a mobilização para forçar Saddam Hussein a sair do Kuait. Se ele houvesse tido sucesso em ocupar um país que é também um grande produtor de petróleo, teria condições de ditar a produção e o preço do produto e intimidar politicamente os outros produtores da região. Isso teria tido um impacto muito grande na economia mundial.
Mas, após a guerra, os EUA terão de deixar claro que não pretendem controlar o petróleo iraquiano. O petróleo terá de ser usado para beneficiar a população do país. E a produção iraquiana deverá ser incorporada ao fluxo de petróleo destinado a alimentar a economia mundial.


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