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Segundo turno legitima extrema direita, diz analista
DE PARIS
Para o sociólogo e cientista político Jean Viard, o voto dado a
Jean-Marie Le Pen é o resultado
de uma série de lutas na sociedade
francesa: entre os jovens que fracassaram nos estudos e os que estão nas escolas, entre os trabalhadores sem formação e os imigrantes, entre os que temem a globalização e o fim das fronteiras européias e os que têm recursos para
enfrentar as mudanças e o fim das
identidades nacionais.
Segundo Viard, a novidade das
últimas eleições francesas não foi
o número de votos dados a Le
Pen, mas o fato de ele ter ganho legitimidade. "De agora em diante,
muito mais gente vai reivindicar
que é da Frente Nacional de agora. Elas dirão: "O interdito antifascista foi suspenso'", afirma ele, na
entrevista abaixo.
Viard é diretor de estudos no
Centro Nacional da Pesquisa
Científica, em Paris, e autor, entre
outros livros, de "Por que os Trabalhadores Votam na Frente Nacional e Como Reconquistá-los"
(ed. Seuil), em que analisou as relações entre a destruição da cultura proletária na França e a ascensão do voto na extrema direita.
(ALCINO LEITE NETO)
Folha - Como o sr. descreveria o
eleitorado de Le Pen?
Jean Viard - É um eleitorado forte entre os jovens [20%", os trabalhadores [20%] e sobretudo os desempregados [30%]. É também
dominantemente masculino. Ele
reproduz um fenômeno que se
constata no mundo mais pobre,
inclusive no islã, em reação ao fim
de um modelo de cultura baseado
no homem forte. Promove o jovem enérgico como alguém que
pode encontrar um trabalho, dominar a mulher e fazer política a
bordoadas.
Entre os operários, a grande
maioria não é eleitora de Le Pen.
Apenas 1 em 5 votou nele. Mas é
claro que as suas idéias podem se
desenvolver no meio operário,
principalmente quando Le Pen
fala em dar prioridade de trabalho
ao francês, porque a competência
de um imigrado "forte" e a de um
francês que falhou nos estudos é a
mesma. Eu e você não estamos
em concorrência com os imigrantes, mas os operários em geral estão.
Folha - Por que há um número
significativo de jovens?
Viard - Porque existe justamente
uma cisão entre a juventude que
estuda e vai obter o seu diploma e
aquela que fracassou nos estudos.
Esta vive nos mesmos bairros que
os imigrantes, para os quais o
simples fato de terem vindo do sul
para o norte representa uma ascensão, mesmo que eles sejam
maltratados aqui. Os jovens que
não conseguiram fazer seus estudos se encontram, por sua vez,
numa situação que é a de só poderem subir na vida dentro da própria sociedade francesa, que, contudo, não promove a progressão
social.
Os jovens que se manifestam
neste momento contra a extrema
direita estão construindo uma geração anti-Le Pen. É uma coisa
importante, mas são sobretudo
pessoas escolarizadas, que estão
nas universidades e nos colégios e
vão encontrar trabalho ao final de
seus estudos. Os que fracassaram
nos estudos permanecem sempre
com mais e mais dificuldades.
Folha - Por que a votação de Le
Pen é tão grande no sul da França?
Viard - Não apenas no sul, mas
ao longo das fronteiras. É mais
forte nas regiões traumatizadas
-seja pela Alemanha na Segunda Guerra, como a Alsácia, seja
pela Guerra da Argélia, como o
sul. Nessas regiões os problemas
de identidade são maiores.
No sul, a verdadeira questão é a
seguinte: será que nos distinguimos de outras cidades do Mediterrâneo [do norte da África]? Na
Alsácia, onde a Frente Nacional é
mais forte, a questão é: se deixamos de ter fronteiras com a Alemanha [por causa da União Européia], o que é ser alsaciano?
Folha - A que fatores o sr. atribui
o crescimento de votos em Le Pen
nesta eleição, especificamente?
Viard - O voto lepenista, ele mesmo, aumentou pouco. Le Pen teve
cerca de 300 mil votos a mais do
que da última vez em que concorreu às eleições presidenciais. E se
passaram muitos anos! Se juntarmos os votos que ele obteve agora
aos do outro candidato da extrema direita, Bruno Mégret, chegamos a quase 6 milhões, o que é
muito.
Mas é o mesmo total que obteríamos em 1995, reunidos os votos de Le Pen e os de Philippe de
Villiers, candidato da direita católica. Então, o fenômeno político
novo não é que a Frente Nacional
tenha tido grande número de votos, mesmo se ela ganhou um
pouco mais. Os verdadeiros fatos
novos são, primeiro, a derrocada
dos outros partidos políticos e, segundo, que Le Pen tenha obtido
legitimidade, do ponto de vista
simbólico.
A esquerda obteve no conjunto
42% dos votos, mais do que em
1995, mas eles se dispersaram entre trotskistas, chevenementistas
etc. E Le Pen não obteve tantos
votos assim. Ele ganhará mais no
segundo turno, pois vai dispor da
televisão para impor suas idéias,
uma tribuna que nunca teve, e se
tornou um político legítimo, porque foi para o segundo turno das
eleições presidenciais. Quer dizer,
de agora em diante muito mais
gente vai reivindicar que é da
Frente Nacional.
Folha - As pessoas deixarão de ter
vergonha de aderir à Frente Nacional ou confessar seu voto, como
ocorria?
Viard - Exatamente. Elas vão dizer: "O interdito antifascista foi
suspenso". Nos países da Europa,
depois da Segunda Guerra, votar
na extrema direita se transformou
num pecado capital. Essa situação
existiu até os anos 80. No começo
daqueles anos, quando a esquerda subiu ao poder, uma parte da
direita começou a votar em Le
Pen. Com isso, eles já começavam
a suspender um pouco esse interdito.
Folha - A Frente Nacional pode
sobreviver após Le Pen, que já tem
74 anos?
Viard - Acho que sim. Penso que
ela seja parte de um componente
da vida política de todos os Estados da Europa. E assim será até
que a Europa seja uma nova força
política. As nações se abriram em
termos políticos, mas ainda não
se construiu uma Europa política.
As pessoas se perguntam: quem é
o chefe na Europa, quem tem o
poder de dizer, por exemplo, que
os europeus não querem que haja
guerra no Oriente Médio? Ninguém. Então elas têm a impressão
de estarem perdidas.
A política nacional perdeu sua
função de proteção, que a política
européia por sua vez ainda não
encontrou. Os europeus parecem
estar ao deus-dará numa sociedade que muda, em que há guerras
no sul, massacre na Argélia, a
compra de nossas empresas pelos
americanos -e não há nada a fazer. Então, as pessoas têm medo.
Se elas escutam discursos sobre
segurança, isso funciona.
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