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Intelectualidade francesa se
omite em meio à crise política
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A crise aberta na França pela
classificação de Jean-Marie Le
Pen para o segundo turno presidencial foi marcada pela ausência
de tomada de posição de influentes intelectuais.
Não alertaram para o perigo
que a sociedade corria e, em seguida, não reagiram para explicar
as razões do susto que os franceses acabavam de pregar em si
mesmos. Em verdade o intelectual francês é um gênero em extinção, ao menos o intelectual que
funcionou no passado como fonte de influência política, como um
fornecedor de modelos para que a
massa escolarizada de cidadãos
pudesse pensar o social.
O último que sintetizou esse
perfil foi Pierre Bourdieu (1930-2002). Sua morte, em janeiro último, provavelmente pôs fim a um
ciclo de um século e meio em que
o pensamento engajado foi um
gênero de forte consumo interno
e também de ampla exportação.
Maio de 68, movimento que
mergulhou a França numa greve
geral e instituiu formas libertárias
de atuar politicamente, foi também o momento do confronto
entre gigantes, o filósofo Jean-Paul Sartre (1905-80) contra o então ministro da Cultura, André
Malraux (1901-76).
Durante a Guerra Fria a discussão social não ficava restrita a círculos de militares, diplomatas ou
economistas. Os intelectuais da
esquerda tinham como adversários pessoas com o peso de Raymond Aron (1905-83).
Em outros momentos traumáticos da história da França, como a
Guerra da Argélia, no final dos
anos 50, a sociedade não se dividia de modo espontâneo. Coube
aos intelectuais difundir a idéia de
que o colonialismo não era apenas uma postura economicamente generosa e civilizadora. Eles influenciavam discussões partidárias, ditavam padrões de um comportamento crítico para a mídia.
Era como se eles fossem os descendentes diretos de Émile Zola
(1840-1902), escritor que amargou o exílio por defender publicamente o capitão judeu Alfred
Dreyfus, acusado de espionagem
em favor da Alemanha, em meio a
um complô liderado por oficiais
anti-semitas do Exército.
Alguns personagens de destaque na mídia se manifestaram nos
últimos dias. Bernard-Henri Lévy
e André Glucksman, ex-marxistas
que nos anos 70 se voltaram para
o pensamento liberal (o dos "novos filósofos"), lançaram um apelo direcionado aos eleitores de esquerda e favorável ao voto em
Chirac no próximo domingo.
Mas são personagens menores.
Não têm no meio acadêmico e
editorial o peso de Jean-François
Lyotard (1924-98), de Gilles Deleuze (1925-95) ou sobretudo de
Michel Foucault (1926-84).
Este último representou na
França o exemplo do "maître-à-penser", alguém de influência
comparável à de Theodor Adorno
(1903-69) na Alemanha. Não por
fornecer respostas a toda e qualquer pergunta, mas por delimitar
um território ético e teórico a partir do qual muitas respostas poderiam ser elaboradas.
Com a obstrução dos canais pelos quais o intelectual dialogava
com a classe média e enriquecia
sua forma de pensar, os assuntos
se compartimentaram. Política
virou coisa de políticos, regulamentação virou coisa da União
Européia e modelo teórico virou
coisa de universitários.
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