São Paulo, sábado, 28 de maio de 2005

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ARTIGO

O melhor é fechar de uma vez

THOMAS L. FRIEDMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM LONDRES

Melhor fechar. Simplesmente fechar. Estou falando sobre o campo de prisioneiros da guerra contra o terrorismo, na baía de Guantánamo. Melhor fechá-lo, demolir tudo que existe por lá.
Tornou-se mais que um embaraço. Estou convencido de que mais americanos estão morrendo e morrerão se mantivermos a prisão aberta do que se a fecharmos. Assim, por favor, sr. presidente, simplesmente feche o campo.
Se vocês querem avaliar até que ponto Guantánamo se tornou corrosiva para a imagem dos EUA no exterior, basta voar a Londres, ou procurar na internet e ler a imprensa britânica. Vejam o que os nossos aliados mais próximos têm a dizer sobre Guantánamo. Quando concluírem sua leitura, leiam a imprensa australiana, a canadense e a alemã.
Todas veiculam variações sobre o tema proposto em reportagem publicada em 8 de maio pelo "Observer", de Londres, que principia afirmando que "um soldado americano revelou novos e chocantes detalhes de abusos e torturas sexuais contra prisioneiros na baía de Guantánamo, na primeira denúncia importante a emergir daquela base que funciona sob o mais estrito sigilo".
Façam busca no Google com os termos "Guantánamo Bay" e "Austrália", e encontrarão uma reportagem da rádio ABC australiana: "Surgiram novas alegações de que prisioneiros em Guantánamo estão sendo torturados por seus captores americanos, e há informações de que os australianos David Hicks e Mamdouh Habib estão entre as vítimas".
Por que devemos nos incomodar? Porque quero vencer a guerra contra o terrorismo. Agora se tornou óbvio, com base nas informações do jornal para o qual trabalho e outros, que os maus-tratos em Guantánamo e no sistema de detenção militar dos EUA como um todo, fugiram de controle.
Como é que mais de cem detentos morreram sob custódia dos EUA, até agora? Ataques cardíacos? Isso é profundamente imoral e estrategicamente perigoso.
Há anos afirmo que Israel precisa retirar suas tropas da Cisjordânia e de Gaza e criar uma muralha nas fronteiras, o mais rapidamente possível. Não porque os palestinos estejam certos, e Israel, errado. Mas porque Israel vive cercado por três grandes tendências. A primeira é a grande explosão populacional que vem acontecendo em todo o mundo árabe. A segunda é a explosão do pior tipo de violência interpessoal entre palestinos e israelenses nas décadas de história do conflito, recentemente atenuada por cessar-fogo. E a terceira é a ascensão explosiva de veículos multimídia em idioma árabe, da internet à Al Jazeera.
O que estava acontecendo em torno de Israel era que a explosão multimídia árabe distribuía as imagens da explosão da Intifada e as difundia em meio à explosão populacional árabe, firmando nas mentes de uma nova geração de árabes e muçulmanos que seus inimigos são os "JIA" -judeus, Israel e americanos.
Acredito que as histórias que vêm emergindo sobre Guantánamo exerçam efeito tóxico semelhante no que tange aos EUA, inflamando os sentimentos contra os americanos em todo o mundo e oferecendo energia para o recrutamento, via internet, de todos aqueles que desejam o nosso mal.
Husain Haqqani, um ponderado estudioso paquistanês que leciona na Universidade de Boston, disse-me que, "quando pessoas como eu afirmam que os valores americanos devem ser emulados e que os EUA são um bastião da liberdade, nos respondem com Guantánamo. Quando falamos sobre os EUA de Jefferson e Hamilton, as pessoas em nossos países nos dizem que não é esse o país com que lidam, mas com os EUA da prisão sem julgamento".
A baía de Guantánamo está se tornando a anti-Estátua da Liberdade. Se temos motivos para processar os cerca de 500 detentos que continuam presos em Guantánamo, então é mais do que hora de colocá-los em julgamento, condenar o maior número possível deles (o que não será fácil devido aos erros cometidos nos interrogatórios) e simplesmente permitir que os demais retornem aos seus lares, ou a um terceiro país. Claro, pode ser que alguns deles voltem para nos assombrar. Mas pelo menos não poderão tirar vantagem de Guantánamo como um estímulo ao recrutamento, para alistar milhares de novos militantes. Eu preferiria ter alguns vilões à solta pelo mundo a toda uma nova geração deles.


Tradução de Paulo Migliacci

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