São Paulo, quarta-feira, 28 de junho de 2000


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DITADURA
Marcados para morrer recebiam disco vermelho
Ex-militar confirma na TV chilena assassinatos no Estádio Nacional

LARISSA PURVINNI
DA REDAÇÃO

Um ex-integrante do Exército chileno confirmou publicamente, sem esconder sua identidade, e na TV, o assassinato de dissidentes políticos no Estádio Nacional, usado como campo de prisioneiros na ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
As declarações do ex-suboficial do Exército chileno Roberto Saldías foram feitas à TV estatal chilena domingo. Ele afirmou estar disposto a identificar os responsáveis pelas ordens de atirar.
Saldías afirmou que os prisioneiros eram organizados em grupos identificados com discos amarelos, pretos e vermelhos. "Qualquer um que recebesse um disco vermelho não tinha volta."
Segundo ele, os marcados com o símbolo foram mortos ou "desaparecidos" por equipes especiais. Ele disse que muitos dos envolvidos recebiam dinheiro.
"Houve oficiais de nível médio que tomaram a justiça em suas próprias mãos e não se dispuseram a se identificar. Eu poderia dizer quem são", afirmou.
De acordo com relatório oficial sobre as vítimas da ditadura, 3.000 foram mortos, sendo que mil ainda estão desaparecidos.
As declarações de Saldías são vistas como um sinal das mudanças vividas pelo país em relação ao regime militar, sobretudo após a detenção do ex-ditador Pinochet no ano passado em Londres, a pedido da Justiça espanhola, que queria sua extradição por crimes contra os direitos humanos.
Liberado pela Justiça britânica devido à sua frágil saúde, de volta ao Chile em março, Pinochet, 84, teve sua imunidade parlamentar cassada e poderá ser julgado.
As Forças Armadas, comandadas por Pinochet até 98, já admitem que seus homens violaram os direitos humanos. Na semana passada, os militares concordaram em fornecer, em um prazo de seis meses, informações que podem ajudar a localizar os restos mortais dos desaparecidos.
"Os militares da reserva apoiaram a decisão. Isso quer dizer que os membros das Forças Armadas têm a pressão de seus pares. Agora, o correto é cooperar. Antes, era ficar calado. Essas novas declarações poderiam revelar essa mudança de espírito", disse à Folha José Zalaquett, 58, advogado de direitos humanos, que participou do diálogo com os militares.
Segundo ele, o acordo representou o reconhecimento, por parte dos militares, de que houve graves violações dos direitos humanos durante a ditadura. "Todo mundo sabia disso, mas as Forças Armadas nunca haviam reconhecido formalmente", diz.
Na última quarta-feira, o Congresso chileno aprovou, com ampla maioria, legislação que garante aos militares o "sigilo profissional". Eles poderão depor sem ter a sua identidade revelada. A decisão gerou protestos de familiares das vítimas, que temem que os responsáveis fiquem impunes.
Os assassinatos no estádio eram conhecidos por meio de relatos de sobreviventes e de depoimentos reservados. Nos anos 70, um torturador que atuou no local forneceu informações à Igreja Católica e foi morto pouco tempo depois.


Com agências internacionais

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