São Paulo, sexta-feira, 28 de junho de 2002

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COLÔMBIA

Ameaçado de morte pelas Farc, Mockus diz que "pode valer a pena" reduzir liberdades em troca do combate à guerrilha

Prefeito de Bogotá admite limite a direitos

OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO

Ameaçado de morte pelas Farc se não renunciasse ao cargo até a meia-noite de anteontem, o prefeito de Bogotá, Antanas Mockus, admite a possibilidade de o Estado restringir liberdades individuais para combater a guerrilha. Ele não crê, entretanto, na decretação de um estado de exceção.
Mockus, 50, disse levar a sério a ameaça lançada pelo maior grupo armado da Colômbia e está condicionando suas atividades a uma análise caso a caso. Para ele, os alvos mais vulneráveis são os prefeitos de cidades pequenas em regiões distantes. Leia os principais trechos da entrevista, concedida à Folha por telefone de Bogotá.

Folha - O sr. recebeu uma ameaça direta das Farc?
Mockus -
Houve uma ameaça genérica, divulgada em um meio de comunicação, aos prefeitos de cidades em torno de Bogotá e da capital. Depois, em entrevistas a meios internacionais, inclusive à CNN, estabeleceu-se um prazo para todos os prefeitos do país renunciarem. É um jogo de cena com grande apelo midiático no qual todos nós, em maior ou menor grau, estamos caindo.

Folha - O sr. está levando a ameaça a sério?
Mockus -
É preciso levar a sério porque as Farc estão com uma orientação claramente militarista, muito destrutiva. O fato é que somos cerca de 1.100 prefeitos e de 12 a 14 têm morrido a cada ano. As Farc se cansaram de matar prefeitos sem barulho, agora ameaçam a mim e a prefeitos de cidades grandes para ganhar publicidade. Mas é possível que, neste ano, menos prefeitos morram porque haverá mais vigilância internacional e mais custos. É possível que haja um "pequeno final feliz".

Folha - O sr. é conhecido por ser um prefeito próximo à população. Isso vai mudar agora?
Mockus -
É preciso avaliar as circunstâncias. Sinto-me seguro entre as pessoas, mas compreendo que pode haver um risco numa aglomeração de cem ou 200. O que incomoda é a forma desafiadora e cínica pela qual se assume publicamente e mundialmente uma atitude bárbara como essa.

Folha - O sr. é favorável a medidas de exceção?
Mockus -
Não há, no momento, possibilidade de decretação de um estado de sítio clássico, pois a nossa Constituição prevê um repertório relativamente pequeno de medidas excepcionais, como aumentar impostos para os gastos militares ou restringir a liberdade de imprensa.
A Colômbia viveu 30 anos de estado de sítio quase permanente e há um consenso nacional -no momento um pouco matizado pelo desespero- de que não queremos mais isso. Tenho esperança de que acharemos os mecanismos dentro da ordem vigente e, se for necessário, que sejam feitas mudanças pontuais e pequenas.

Folha - O sr. acha que haverá uma maior militarização do país?
Mockus -
Será necessário incrementar os gastos militares porque as Farc e os grupos armados o estão exigindo. Sobre o marco institucional, acho que, se alguém demonstrar de maneira convincente que restringir algumas liberdades de forma transitória poderá contribuir para o restabelecimento a médio prazo das liberdades de forma mais ampla, pode valer a pena. Mas é preciso avaliar com muito cuidado qual restrição produz qual efeito. Não creio que se trate de silenciar os críticos do regime. A sociedade se acostumou a um debate público cada vez mais aberto. Não se propôs censura no sentido de proibir a divulgação das ameaças terroristas.



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