São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 2011

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Com 2 milênios de tradição, seita luta por sobrevivência no Iraque pós-Saddam

Comunidade dos mandeus, que cresceu junto do cristianismo, caiu de 70 mil para 5.000 seguidores desde a queda de ditador

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ

Uma das últimas vítimas da invasão do Iraque de 2003 está em estado terminal e tenta sensibilizar o mundo de sua condição.
Não é um "dano colateral" qualquer. Trata-se da comunidade dos mandeus, que guarda 2.000 anos de herança cultural única.
É a mais antiga seita gnóstica do mundo. Ou seja, os derradeiros remanescentes de uma crença que acompanhou a aurora do cristianismo organizado, mas diferenciou-se dele ao buscar a verdade não em um só salvador, mas em sistemas esotéricos impenetráveis a leigos.
Os mandeus somavam 70 mil pessoas no Iraque de Saddam Hussein, que de resto os perseguia como a outras minorias. "A vida não era fácil, mas tínhamos nosso espaço. A intolerância depois da queda de Saddam fez muitos dos nossos sair daqui", diz Abdelsalam Jabbar, 48.
Ele é o líder do principal centro dos mandeus em Bagdá, uma "mandá" (templo) na margem do rio Tigre.
Tem o segundo maior status sacerdotal, "ginzabria" (guardião do texto sagrado chamado "Ginza"), e recebeu a Folha durante uma celebração na semana passada. Havia cerca de 50 presentes, metade com o robe branco característico dos sacerdotes.
O problema, conta Jabbar, é que a diáspora reduziu os mandeus a menos de 5.000 no Iraque atual, e os grupos estão muito dispersos, facilitando assim os casamentos com aderentes de outra fé.
Como um sacerdote mandeu que for tocado por um não-fiel perde o direito de manter a herança cultural do grupo, é fácil entender o medo que têm de miscigenação.
O isolamento em nome da pureza está no centro da fé mandaica, que usa uma língua litúrgica irmã do aramaico falado no tempo de Jesus.
Todos os rituais incluem água corrente, por isso os templos ficam na beira de rios. Há uma sistemática purificação de pecados, pensamentos e atos.
Os mandeus têm forte crença no dualismo como força motriz do mundo, mas com matizes mais marcadas do que de outros gnósticos. Há um "senhor da luz" em oposição a três "senhores das trevas" equilibrando as energias da vida.
Etnicamente, são semitas como árabes e judeus. A figura central é são João Batista, que segundo a tradição batizou Jesus no rio Jordão. Está em imagens em altares e na cruz envolta em pano que simboliza a religião, "bandeira levando a paz", diz o líder.
Ao longo dos séculos houve muita confusão sobre os mandeus. Eram chamados de "cristãos de são João Batista" por missionários portugueses do século 16, mas na realidade rejeitam Jesus como messias e Maomé como profeta.
"Passamos pela invasão mongol que arrasou Bagdá, por cruzadas, pelo surgimento do islã, por Saddam. Iremos sobreviver", diz Jabbar, impassível.


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