São Paulo, sexta-feira, 28 de julho de 2006

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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

Brasileira fica três dias no porão com 5 filhos

Lefteris Pitarakis/Associated Press
Família libanesa se refugia em porão de escola em Bazouriyeh, no sul do país


Mulaya Kourami Ohmani sobreviveu a bombardeios em vilarejo arrasado

Na quarta leva que trouxe 410 brasileiros de volta do Líbano, também estava a família de Dib Barakat, morto sob ataque no dia 19

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

Três dias em um porão, com os 5 filhos, de 2, 5, 7, 10 e 12 anos de idade. A pão e água, ao som dos bombardeios. A brasileira Mulaya Kourami Ohami viveu o maior pesadelo de sua vida, enquanto passava férias de verão com a família no vilarejo de Yater, fronteira com Israel, e vizinha de Bent Jbeil, um dos bastiões do Hizbollah.
Mulaya e seus filhos chegaram ontem a São Paulo, no grupo de 410 brasileiros - 35 deles, crianças de colo -, que fugiram do Líbano, trazidos em dois aviões, um da Força Aérea Brasileira, que partiu da Turquia, o outro em vôo da TAM a partir de Damasco.
O vilarejo onde Mulaya estava foi completamente arrasado pelos ataques israelenses. "Saía de casa, via os F-16 sobrevoando a vila e ficava com mais medo. Como fugir com todas as crianças assim?", ela falou à Folha, no aeroporto de Cumbica, enquanto era abraçada pelo irmão e pela mãe.
Ela havia levado os filhos para aproveitar as férias de verão no clima mais ameno das montanhas, enquanto seu marido ficou em Beirute, onde trabalha em um canal de televisão.
Com medo de voltar para Beirute sob bombas, ela se refugiou no porão da casa. Os mercadinhos de Yater também foram destruídos. Sem conseguir comprar mais alimentos, nem sair de casa, os seis passaram três dias a pão e água. Até que um vizinho a avisou de que Yater estava deserta.
Todos os habitantes haviam fugido e ela corria muito risco, ao estar na fronteira com Israel. "Ou morríamos no porão ou poderíamos morrer no caminho. Mas tive fé em Deus e decidi no tudo ou nada", recorda.
Depois de ir para outra cidade, e ficar em um abrigo provisório por alguns dias, ela conseguiu um táxi (US$ 300, a corrida) para levá-los a Beirute. O marido, libanês, ficou lá.
Mulaya ainda não sabe quando eles vão se reencontrar. Agora ela fica na casa dos pais, libaneses que moram em Itapevi, na Grande São Paulo, onde a família tem uma loja de calçados.

Morte na despedida
A estudante Nacima, 15, estava de férias no Líbano com sua mãe, Mohad Barakat na pequena cidade de Loussi, onde 80% dos habitantes viveram ou nasceram no Brasil. Ambas estavam hospedadas na casa do tio de Nacima, o fabricante de móveis Dib Barakat.
No último dia 19, na manhã em que deixariam Loussi rumo à Síria, um bombardeio matou Dib, quando ele abria a fábrica. Ele foi enterrado apenas duas horas depois, e Nacima e Mohad partiram rumo à Síria.
Nacima e Mohad haviam chegado no dia 4 ao Líbano. "Na primeira semana, vivemos dias maravilhosos. Mas, nos 16 dias seguintes ficávamos dentro de casa, assustadas".

Ajuda brasileira
O governo brasileiro anunciou que enviará 10 kits de "farmácia básica" para Líbano e Síria. Cada um contém 21 tipos de remédios e pode atender até 9.000 pessoas. O embaixador Éverton Vieira, chefe do grupo de assistência a brasileiros no Líbano do Itamaraty, afirmou ontem que muitos brasileiros na região do conflito se resistem a largar tudo e voltar para o Brasil.
"Vários brasileiros que moram no Líbano abriram pequenos negócios, custa muito deixar tudo para trás", afirmou.


Colaborou CLAUDIA DIANNI ,da Sucursal de Brasília


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