São Paulo, sábado, 28 de setembro de 2002

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CRISE

Lei da ditadura impede afastamento de chefe da Força Aérea

Presidente chileno lamenta não ter poder para afastar militar

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

Uma crise entre o presidente chileno e o comandante da Força Aérea, por um suposto encobrimento de informações sobre violações aos direitos humanos durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), vem pondo a nu nos últimos dias as limitações impostas pelo ex-ditador às instituições democráticas do país.
O presidente Ricardo Lagos insinuou nesta semana que deseja o afastamento do comandante da Força Aérea, Patricio Ríos, mas lamentou não ter o poder de modificar livremente os chefes militares do país.
"Se o presidente da República tem a faculdade de mudá-los [os chefes militares", a conduta dos comandantes em chefe é distinta", disse Lagos na quarta-feira. "Há 20 anos que estamos esperando, já está na hora de voltarmos a um sistema onde o presidente da República tenha as faculdades que em toda democracia tem um chefe de Estado", disse.
A afirmação de Lagos se explica pelo fato de que a atual Constituição, aprovada em 1980, durante a ditadura, estabelece um mandato fixo de quatro anos, com estabilidade, para os comandantes das forças militares. Esse período só pode ser abreviado com a aprovação do Conselho de Segurança Nacional (Cosena), órgão no qual os próprios comandantes militares detêm metade dos votos.
"A crise demonstra que o poder real de intervenção do governo sobre as Forças Armadas é muito limitado", disse à Folha o cientista político Hugo Fruhling Erlich, professor da Universidade do Chile. "A situação não põe em perigo a estabilidade institucional, mas a confrontação pode seguir até o ano que vem, quando vence o mandato de Ríos."
A crise teve início com a revelação, na semana passada, pelo jornal "La Nación", de que Ríos teria ocultado informações sobre violações aos direitos humanos durante a ditadura. Ele teria encoberto também que o brigadeiro Patricio Campos, quinto na hierarquia da Força Aérea, é casado com uma integrante de um grupo de repressão a esquerdistas atuante no início da ditadura.
Ríos disse ter avisado Lagos e seu antecessor, Eduardo Frei (1994-2000), mas ambos negaram. "O presidente da República não sabia", disse Lagos. Pressionado, Campos renunciou na semana passada, mas Ríos diz que continuará até o fim do mandato. "Eu não renuncio", afirmou.
A opção de pedir o afastamento de Ríos ao Cosena é considerada pouco provável. Para os analistas, a iniciativa poderia enfraquecer o governo, ao envolver os demais chefes militares num conflito que até agora está restrito a Ríos, além de não ter garantia de sucesso, já que os militares teriam papel fundamental na decisão.
O caso vem provocando um intenso debate no país a respeito das normas da ditadura ainda vigentes. Além da estabilidade dos comandantes militares, a Constituição de Pinochet também criava a figura dos senadores vitalícios, limitava a capacidade de fiscalização do Congresso e estabelecia um sistema eleitoral sem a representação dos grupos minoritários. Desde 1990 já foram apresentados oito projetos para reformar a Constituição, sem sucesso.
"Pinochet não tem mais um papel transcendente na política nacional. O debate sobre sua figura já está obsoleto, mas o que não está obsoleto é o debate sobre as transformações que impôs ao país e que ainda estão vigentes", afirma Fruhling Erlich.


Com agências internacionais

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