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São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

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LEI

Para a direita espanhola, ele quer "aparecer" ao pretender julgar Bin Laden e repressores argentinos; especialistas o apóiam

Onipresente, juiz Garzón conquista holofotes e inimigos

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O juiz espanhol Baltasar Garzón, 48, que, há dez dias, acusou formalmente 35 pessoas, incluindo o saudita Osama bin Laden, de participar dos atentados de 11 de setembro de 2001 ou de ter ligação com a rede terrorista Al Qaeda, vem sendo acusado por setores da direita espanhola de "querer aparecer" ao perseguir personalidades conhecidas globalmente.
Todavia, para especialistas em direito internacional consultados pela Folha, seu objetivo maior é defender os direitos humanos e a aplicação do direito, motivado pela idéia de que tem uma "missão histórica" a cumprir.
"Garzón não precisa de publicidade. Já é famoso, além de não ser uma pessoa "midiática". O que motiva suas ações é sua idéia de que tem uma missão histórica, pois crê nos direitos humanos e luta pela aplicação do direito", analisou Martin Ortega, da Universidade Complutense de Madri.
"Mesmo que uma câmera de TV não lhe desagrade, Garzón não age em busca de publicidade. Quem ficaria triste se Bin Laden ou [o ex-ditador chileno] Augusto Pinochet tivessem de responder judicialmente por seus atos? E, quando acusa alguém, Garzón não emite uma sentença, mas busca a realização de um julgamento justo", avaliou Allan Ryan, da Universidade Harvard (EUA).
O juiz espanhol, conhecido por sua extrema dedicação ao trabalho, ficou famoso, em 1998, por pedir a extradição de Pinochet. Sua tentativa não deu resultado. O ex-ditador voltou ao Chile, em março de 2000.
Contudo Garzón já atuava na defesa dos direitos humanos e tentava julgar membros de ditaduras militares sul-americanas bem antes disso. Desde 1987, ele tem uma posição na Justiça espanhola que permite essas ações.
Para Ortega, parte da direita espanhola não gosta dele porque "pensa que as ditaduras latino-americanas não foram tão más quanto se imagina".
Em 8 de julho último, Garzón solicitou a prisão -para futura extradição- de 45 militares e ex-militares e de um civil argentinos acusados de praticar tortura na última ditadura (1976-1983).
O pedido foi atendido pela Justiça argentina, e 40 ex-repressores foram detidos. Mas, em 29 de agosto, o governo da Espanha decidiu não oficializar o pedido de extradição. O caso gerou dúvidas sobre a determinação de Garzón e sobre as razões de sua "cruzada". Mas, para Ortega, a atitude de Madri pode ter fins políticos.
"O governo não quis atrapalhar o processo de reconciliação nacional que está em andamento na Argentina. Assim, a ação do governo contra Garzón pareceu ter fins políticos", explicou Ortega.
Vale lembrar que outro juiz que ficou famoso na década passada, o italiano Antonio di Pietro (destaque da operação Mãos Limpas), se tornou político, o que pode ter sido levado em conta pelo governo espanhol. Este é de direita. Garzón tem um "perfil de esquerda", segundo Ryan.
Há três fundamentos jurídicos que permitem que um juiz busque julgar estrangeiros por ações cometidas fora de seu país.
Primeiro, quando esses atos têm repercussão em seu território. "Bin Laden está longe da Espanha, mas tem sob seu comando pessoas envolvidas em atos cometidos aqui", afirmou Ortega.
Segundo, quando cidadãos de um país são afetados, no exterior, por uma conduta condenável internacionalmente, envolvendo crimes contra os direitos humanos e de guerra. "Trata-se do princípio que deu base às acusações de Garzón contra Pinochet, já que espanhóis foram perseguidos por seu regime", disse Ortega.
Terceiro, a existência de um sistema de Justiça universal, como o que existia na Bélgica até pouco tempo atrás. "O problema é que o a Justiça universal é controversa. Ninguém disse nada quando os belgas julgaram pessoas que participaram do genocídio de Ruanda, pois se tratava de um caso extremo", indicou Ryan. "Todavia, quando surgiram casos contra Ariel Sharon [premiê de Israel] ou Colin Powell [secretário de Estado dos EUA], os limites desse princípio ficaram mais claros."

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