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ARTIGO
O fim da globalização?
Para o sociólogo britânico Anthony Giddens, não só não é o fim como a globalização é a saída possível para este período difícil do mundo
ANTHONY GIDDENS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Uma transição de importância
maior está acontecendo na sociedade mundial. Suas evidências estão visíveis por toda parte, à nossa
volta. A recessão ameaça chegar
ou já chegou aos Estados Unidos,
as economias européias estão em
queda, e o Japão mergulhou num
estado de estagnação econômica.
Protestos políticos em grande
escala voltaram a ser comuns,
tanto à esquerda quanto à extrema direita. Os ultrajes terroristas
em Nova York e Washington
acrescentaram um fator adicional, preocupante e altamente perigoso a essa reviravolta de transformações.
À luz desses acontecimentos, alguns comentaristas já estão falando do "fim da globalização". Para
eles, a integração global já foi longe demais. Se quisermos recolocar o mundo no caminho certo,
dizem, teremos, em essência, que
fazer o que querem os manifestantes contrários à globalização:
fazer o relógio voltar para trás em
relação às últimas décadas.
A globalização sempre foi um
projeto do Ocidente e das grandes
empresas, afirmam. Seus beneficiários foram os ricos, muito mais
do que os pobres, resultando nas
consequências terríveis que agora
observamos.
Os ataques terroristas teriam sido um sinal visível de que os marginalizados fazem questão de bater de volta nos responsáveis pelo
destino que sofrem.
Mas essas afirmações estão erradas e precisam ser contestadas.
A globalização nunca foi resultado de políticas escolhidas conscientemente e não pode ser revertida por decisão nossa.
Ademais, apesar das perspectivas sombrias que se apresentam
para boa parte do mundo no momento atual, a globalização oferece benefícios, incluindo vantagens para os países mais pobres,
que não podem ser alcançados de
nenhuma outra maneira.
A definição mais simples de globalização é "interdependência
crescente". Acontecimentos que
têm lugar longe de nós afetam
nossas vidas mais do que nunca.
As origens de nossa crescente interdependência são bem profundas. Elas incluem, é claro, a crescente integração da economia
mundial, preocupação mais comum dos manifestantes, mas
muito mais do que isso também.
A globalização tem sido movida
tanto pela revolução das comunicações, o fim da Guerra Fria e os
padrões mutantes da soberania
nacional quanto por influências
puramente econômicas.
Considere-se, por exemplo, o
impacto da internet. Criada originalmente pelo Departamento da
Defesa dos Estados Unidos, ela já
penetrou praticamente em todo o
planeta. Não existe um caminho
de volta a um mundo sem a internet (e não deveríamos procurar
por tal caminho, tampouco). A
interdependência global chegou
para ficar.
Mais do que contradizer essa
conclusão, os ataques ao World
Trade Center e ao Pentágono a
confirmam. Não foram uma
agressão de um país a outro, o que
seria uma guerra sob forma tradicional. As vítimas foram não apenas americanos, mas pessoas de
muitos países de todo o mundo.
Os perpetradores dos atentados
podem ter recebido assistência de
alguns países, mas foram motivados principalmente pelo fervor
religioso. Seus atos só se tornaram
possíveis porque eles faziam parte
de uma rede transnacional que
atua em muitos países.
Nenhuma ação militar local dos
Estados Unidos ou da Otan, por
maior que fosse, constituiria uma
resposta adequada a eles. Apenas
a cooperação internacional no
combate ao terrorismo tem qualquer chance de sucesso em longo
prazo.
Em seus primeiros meses de
existência, o governo Bush pareceu compartilhar os pontos de
vista daqueles que se declararam
contrários à globalização. O presidente Bush assumiu uma postura
isolacionista, rejeitando tratados
internacionais sobre o controle de
armas nucleares, contra o aquecimento global e em outras áreas.
Buscou reduzir o envolvimento
dos EUA na luta entre israelenses
e palestinos.
Mas os ataques obrigaram o governo americano a reconhecer a
natureza interdependente do
mundo contemporâneo. Em conjunto com outros países, os EUA
estão exercendo pressão enorme
sobre os protagonistas no Oriente
Médio para que renovem a tentativa de resolver suas diferenças.
Tendo anteriormente se posicionado contra as políticas da
OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que visavam controlar os
paraísos fiscais, os EUA agora
mudaram de atitude, passando a
encorajar esse esforço. Recentemente Bush falou da necessidade
de retomar as discussões sobre o
aquecimento global, se bem que,
ao mesmo tempo, tenha continuado a afirmar que os acordos
de Kyoto são inviáveis.
Para que possamos emergir dos
tempos sombrios em que ingressamos será necessária mais globalização, e não menos. A globalização diz respeito, entre outras coisas, ao progresso do direito internacional. Precisamos esperar que
os Estados Unidos e a comunidade mundial mais ampla reconheçam que, para ser eficaz, a ação
militar contra as fontes do terrorismo deve ter como objetivo fazer respeitar a lei, e não fazer impor sua vontade pela guerra.
No passado, os EUA opuseram
resistência aos esforços feitos para
criar formas internacionais de direito criminal. Nessa área, assim
como em outras, o país precisa
mudar seus pontos de vista. Os
terroristas não devem ser tratados
como adversários militares, mas
como criminosos.
O movimento antiglobalização
afirma que o abismo entre ricos e
pobres no mundo está aumentando e que a responsabilidade disso
cabe à globalização. A primeira
idéia é questionável e a segunda é
falsa. Não existem tendências
simples em matéria de desigualdade mundial. Alguns dos maiores países do leste asiático, incluindo a China, têm hoje um PIB
muito maior, comparado aos dos
países ocidentais, do que tinham
30 anos atrás.
A razão disso é simples: ao longo desse período eles vêm apresentando índices médios de crescimento consideravelmente superiores aos ocidentais. Esse êxito
foi obtido com a participação na
economia mundial, e não com
sua rejeição.
As sociedades que procuraram
se isolar das influências globalizadoras, como a Coréia do Norte,
Mianmar ou Irã, sem falar no próprio Afeganistão, estão entre as
mais miseráveis e mais autoritárias do mundo.
Todos nós temos razões para
nos preocupar com a triste situação da África, onde alguns países
hoje estão mais pobres, em termos absolutos, do que eram 30
anos atrás. Mas essa situação não
se deve à globalização. Os problemas da África estão mais relacionados ao fato de que a globalização passou ao largo de boa parte
do continente.
Durante a Guerra Fria, a África
foi uma das regiões em que as
duas superpotências se enfrentaram, por meio de terceiros. Mas,
com seu final, as potências industriais perderam boa parte de seu
interesse pelo continente.
Se quisermos que a África algum dia viva seu milagre econômico próprio, será preciso que os
países africanos, longe de serem
excluídos dos processos de globalização, sejam mais e mais incluídos neles.
Se os acontecimentos de Nova
York e Washington servirem para
convencer os governos, e especialmente o americano, de que
eles precisam cooperar de maneira mais ativa para administrar a
globalização, ainda é possível que
o mundo saia deste período difícil
mais perto do que antes de empreender o rumo certo.
Anthony Giddens é sociólogo, um dos
idealizadores da política da Terceira Via
do governo Tony Blair e autor de "O Estado-Nação e a Violência" (Edusp)
Tradução de Clara Allain
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