São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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EUROPA

Ciente da oposição do Parlamento a comissário conservador, futuro presidente do órgão evita veto ao não forçar votação

Nova Comissão Européia causa crise institucional na UE

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

José Manuel Durão Barroso, futuro presidente da Comissão Européia (o Executivo da União Européia), decidiu ontem não apresentar sua equipe para votação no Parlamento Europeu para evitar uma derrota sem precedentes na história da construção do bloco.
Contudo sua decisão provocou uma grave crise institucional na UE, que é constituída por 25 países-membros. Além disso, a crise ofuscará a assinatura da futura Constituição do bloco, que ocorrerá amanhã, em Roma.
"Cheguei à conclusão de que, se a votação for realizada hoje [ontem], o resultado não será positivo para as instituições européias e para o projeto europeu. Nessas circunstâncias, decidi não submeter a nova Comissão Européia à sua apreciação", disse o ex-premiê de Portugal aos deputados.
Sua equipe seria rejeitada pelo Parlamento, de 732 membros, pois ele se recusou a substituir seu escolhido para a pasta da Justiça, da Liberdade e da Segurança, o italiano Rocco Buttiglione.
Este causou controvérsia, recentemente, ao afirmar que a homossexualidade é um "pecado" e que a família existe "para permitir que a mulher tenha filhos e seja protegida por seu marido".
"A recusa do Parlamento em aprovar uma comissão da qual faz parte alguém cujas posições são tão conservadoras mostra que os valores liberais são prioritários na Europa, embora tenha desagradado a boa parte dos chefes de Estado e de governo europeus", afirmou à Folha Michael Kreile, especialista em UE da Universidade Humboldt, situada em Berlim.
"Afinal, os líderes políticos nacionais, que apontam os comissários europeus, não querem perder espaço para o Parlamento, que terá seus poderes bastante aumentados pela futura Constituição."
Com o impasse em torno de Buttiglione, que, segundo a mídia italiana, é confidente do papa João Paulo 2º, a atual Comissão Européia, presidida pelo italiano Romano Prodi, deverá continuar na ativa mais algumas semanas.
Ela deveria deixar suas funções em 1º de novembro. De acordo com Prodi, o Parlamento deverá aprovar a nova comissão em 17 de novembro, porém Durão Barroso será obrigado a mexer na equipe.

Problemas futuros
Para Kreile, a situação atual mina a posição de Durão Barroso. "Ele terá de negociar com os líderes políticos para encontrar uma solução. Por razões internas, [Silvio] Berlusconi parece estar inclinado a manter a indicação de Buttiglione. Se isso ocorrer, no entanto, Durão Barroso será compelido a colocá-lo à frente de uma pasta menos controversa em razão de suas atitudes conservadoras."
Segundo Michael Gallagher, da Universidade de Dublin, esse é apenas o primeiro desafio que a equipe de Durão Barroso deverá enfrentar por conta de "vários conflitos de interesses claros".
"A virtual responsável pela pasta da Concorrência, [a holandesa Neelie] Kroes, tem um histórico de defesa de interesses corporativos, tendo trabalhado como lobista para a empresa americana Lockheed Martin", disse Gallagher.
"A escolhida para responder pela pasta da Agricultura, [a dinamarquesa Maria] Fischer Boel, é casada com um agricultor, que recebe subsídios europeus. Ora, trata-se da parte mais delicada de sua pasta, visto que a Política Agrícola Comum terá de ser reformada e os subsídios deverão ser drasticamente reduzidos."
Tudo indica, portanto, que o novo Executivo da UE ainda terá um árduo caminho a percorrer antes de assumir suas funções.


Com agências internacionais


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