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ELEIÇÃO NA ARGENTINA / A DIVISÃO DO ELEITORADO
Pobres são Cristina, mas classe média vota de mau humor
Crescimento econômico de 51% no governo Kirchner beneficiou principalmente os que têm salário mais baixo
À semelhança do que acontece no Brasil, criação de novas vagas é maior em setores que pagam menos, como a construção civil
FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL À ARGENTINA
Assim como no pleito brasileiro de 2006, a Argentina vai às
urnas hoje com a classe média
ainda de mau humor com os resultados econômicos do governo de Néstor Kirchner. Já os
mais pobres do país devem votar em massa em Cristina
Kirchner. Será uma recompensa às políticas social e econômica do marido.
A classe média argentina empobreceu com a crise que se seguiu ao fim da paridade peso/
dólar, em 2001. Embora a economia do país venha se recuperando rapidamente desde a
posse de Kirchner, em maio de
2003, ela ainda está longe de
trazer de volta o brilho que
sempre marcou a qualidade de
vida da classe média argentina.
Nos últimos quase cinco anos
de governo Kirchner, o PIB
(Produto Interno Bruto) da Argentina cresceu 51%, o melhor
resultado desde 1903-07. Mas o
PIB em dólares (US$ 216,7 bilhões) ainda continua abaixo
do de 2001 (US$ 268 bilhões).
O que Kirchner conseguiu
em seu governo foi uma recuperação do abismo em que o
país se meteu em 2002. E essa
retomada é posta agora em cheque por um retorno da inflação,
com índices abertamente manipulados (o governo diz que os
preços subiram 8% nos últimos
12 meses, mas calcula-se que a
inflação real superou 20%).
Embora o emprego e a massa
salarial registrem crescimento
contínuo, os resultados beneficiam muito mais os estratos
mais pobres (e de menores salários) do que a classe média.
Segundo Fausto Spotorno,
economista-chefe da consultoria Orlando J. Ferreres & Associados, pouco mais de 50% da
população economicamente
ativa do país pertence à classe
média. "Basicamente, faria parte da classe média na Argentina
quem tivesse um emprego formal", diz Spotorno. De 2002 a
2007, a informalidade no mercado de trabalho caiu de 60%
para cerca de 50%. Mas a formalização aumentou mais rapidamente entre as profissões
com salários menores.
Sete entre cada dez novos
empregos "en blanco" (com registro) criados na Argentina
entre 2003 e 2007 apareceram
em setores que pagam menos
do que a média do setor privado. No Brasil, ocorre o mesmo:
de cada dez novos empregos
formais, oito pagam até dois salários mínimos.
Na Argentina, enquanto na
iniciativa privada a média salarial é de 2.159 pesos (US$ 678),
as novas vagas criadas pagam,
em média, 1.734 pesos (US$
545). Para comparar, o salário
médio no Brasil (formal e informal) é de US$ 620 (R$ 1.115).
Também à semelhança do Brasil, boa parte dessas novas vagas ficou concentrada no setor
da construção civil, um dos que
mais crescem no país.
Segundo estudo do economista Ernesto Kritz, da Sel
Consultores, com a recuperação do mercado de trabalho argentino, caiu de 50% para apenas 10% o total de trabalhadores que corre o risco de entrar
para as estatísticas de pobreza.
O total oficial de pobres na Argentina soma 23%. Mas Kritz
calcula que o número real seja
28%, já que a inflação sobe mais
do que dizem números oficiais.
A maioria desses pobres está
sendo atendida de alguma maneira pelos programas sociais
do governo Kirchner. Eles pagam, no mínimo, 150 pesos
(US$ 47) por cabeça ou família.
Daí a forte popularidade de
Cristina entre os mais pobres e
os trabalhadores pior remunerados -para quem o emprego e
a massa salarial cresceram
mais. Na média da Argentina
pós-crise, a massa salarial real
(soma de todos os salários pagos em um ano) cresceu 103%
acima da inflação. Os salários,
36%. Foi na construção civil
onde a massa salarial evoluiu
mais: 313%, reflexo da forte
criação de empregos no setor.
Já a classe média vem sendo
apertada pelo setor de serviços
-escolas e planos de saúde privados pressionam por aumentos superiores a 20%, como reflexo da inflação.
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