São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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ELEIÇÃO NA ARGENTINA / A DIVISÃO DO ELEITORADO

Pobres são Cristina, mas classe média vota de mau humor

Crescimento econômico de 51% no governo Kirchner beneficiou principalmente os que têm salário mais baixo

À semelhança do que acontece no Brasil, criação de novas vagas é maior em setores que pagam menos, como a construção civil

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL À ARGENTINA

Assim como no pleito brasileiro de 2006, a Argentina vai às urnas hoje com a classe média ainda de mau humor com os resultados econômicos do governo de Néstor Kirchner. Já os mais pobres do país devem votar em massa em Cristina Kirchner. Será uma recompensa às políticas social e econômica do marido.
A classe média argentina empobreceu com a crise que se seguiu ao fim da paridade peso/ dólar, em 2001. Embora a economia do país venha se recuperando rapidamente desde a posse de Kirchner, em maio de 2003, ela ainda está longe de trazer de volta o brilho que sempre marcou a qualidade de vida da classe média argentina.
Nos últimos quase cinco anos de governo Kirchner, o PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina cresceu 51%, o melhor resultado desde 1903-07. Mas o PIB em dólares (US$ 216,7 bilhões) ainda continua abaixo do de 2001 (US$ 268 bilhões).
O que Kirchner conseguiu em seu governo foi uma recuperação do abismo em que o país se meteu em 2002. E essa retomada é posta agora em cheque por um retorno da inflação, com índices abertamente manipulados (o governo diz que os preços subiram 8% nos últimos 12 meses, mas calcula-se que a inflação real superou 20%).
Embora o emprego e a massa salarial registrem crescimento contínuo, os resultados beneficiam muito mais os estratos mais pobres (e de menores salários) do que a classe média.
Segundo Fausto Spotorno, economista-chefe da consultoria Orlando J. Ferreres & Associados, pouco mais de 50% da população economicamente ativa do país pertence à classe média. "Basicamente, faria parte da classe média na Argentina quem tivesse um emprego formal", diz Spotorno. De 2002 a 2007, a informalidade no mercado de trabalho caiu de 60% para cerca de 50%. Mas a formalização aumentou mais rapidamente entre as profissões com salários menores.
Sete entre cada dez novos empregos "en blanco" (com registro) criados na Argentina entre 2003 e 2007 apareceram em setores que pagam menos do que a média do setor privado. No Brasil, ocorre o mesmo: de cada dez novos empregos formais, oito pagam até dois salários mínimos.
Na Argentina, enquanto na iniciativa privada a média salarial é de 2.159 pesos (US$ 678), as novas vagas criadas pagam, em média, 1.734 pesos (US$ 545). Para comparar, o salário médio no Brasil (formal e informal) é de US$ 620 (R$ 1.115). Também à semelhança do Brasil, boa parte dessas novas vagas ficou concentrada no setor da construção civil, um dos que mais crescem no país.
Segundo estudo do economista Ernesto Kritz, da Sel Consultores, com a recuperação do mercado de trabalho argentino, caiu de 50% para apenas 10% o total de trabalhadores que corre o risco de entrar para as estatísticas de pobreza. O total oficial de pobres na Argentina soma 23%. Mas Kritz calcula que o número real seja 28%, já que a inflação sobe mais do que dizem números oficiais.
A maioria desses pobres está sendo atendida de alguma maneira pelos programas sociais do governo Kirchner. Eles pagam, no mínimo, 150 pesos (US$ 47) por cabeça ou família.
Daí a forte popularidade de Cristina entre os mais pobres e os trabalhadores pior remunerados -para quem o emprego e a massa salarial cresceram mais. Na média da Argentina pós-crise, a massa salarial real (soma de todos os salários pagos em um ano) cresceu 103% acima da inflação. Os salários, 36%. Foi na construção civil onde a massa salarial evoluiu mais: 313%, reflexo da forte criação de empregos no setor.
Já a classe média vem sendo apertada pelo setor de serviços -escolas e planos de saúde privados pressionam por aumentos superiores a 20%, como reflexo da inflação.

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