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ENTREVISTA DA 2ª
YAN XUETONG
Ordem mundial do futuro é bipolar
Para intelectual chinês, a ordem multipolar hoje em vigor já está sendo substituída por uma "situação G2", em que China e EUA serão superpotências
Jason Lee - 18.nov.09/Reuters
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O presidente Barack Obama, na Muralha da China, durante visita à China em novembro
Em 15 anos, o mundo terá uma "situação
G2", com duas superpotências, EUA e China, liderando as discussões globais, de
acordo com um dos mais influentes intelectuais chineses.
Yan Xuetong, 57, é diretor do Instituto de Estudos
Internacionais da Universidade Tsinghua, a segunda
maior do país, onde o presidente Hu Jintao e boa parte da liderança comunista estudaram.
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
Para Yan, o mundo multipolar que começa a se desenhar
hoje será substituído pelo G2.
Ele acha que a China nunca será "aceita no clube dos países
desenvolvidos ocidentais" e
que deveria reforçar suas alianças com o mundo em desenvolvimento.
Diz que o país precisa investir mais em sua força militar e
que a relação bilateral da China
com Coreia do Norte, Mianmar
ou Sudão "não vai mudar".
Yan é considerado o líder da
"nova direita chinesa", o grupo
de reformistas que advoga por
mais abertura econômica e menos interferência do Estado. O
cientista político recebeu a Folha em seu escritório na Tsinghua.
G2 É FATO
Há um mal-estar sobre o G2
como se fosse uma política dos
dois países, mas não é. É um fato. Hoje é cedo para falar de G2,
mas em 15 anos ou no máximo
20 teremos uma "situação G2",
quando a China terá efetivamente diminuído a distância
que tem entre si e os EUA em
termos de poder abrangente.
Há duas possibilidades no
presente, a multipolarização e a
bipolarização. É muito provável que a primeira seja substituída pela segunda.
Mas, por enquanto, economicamente, militarmente e em
"soft power", a China não pode
competir com os EUA. Só que a
crise financeira global do ano
passado diminuiu essa diferença e aumentou dramaticamente o status da China.
BARRADA NO CLUBE
Será muito difícil que a China
seja aceita como membro do
clube dos países desenvolvidos
porque seu sistema político não
é aceito pelo clube do Ocidente.
Se a Rússia fracassou em ser
aceita, duvido que a China consiga. Então a China poderia estabelecer uma parceria mais
positiva com países em desenvolvimento, como Índia, Brasil,
Rússia, África do Sul.
Ao contrário do clube das potências ocidentais, os emergentes não ligam tanto para a diferença nos sistemas políticos. O
que os une é o estágio econômico. Os europeus achavam que
estavam no centro do mundo e
que deveriam servir de modelo
para os outros, dividindo entre
civilizados ou não. É um complexo de superioridade baseado
não só em coisas materiais.
SUBSTITUIR O DÓLAR
A China acerta ao fazer a cúpula com os países africanos e
deveria criar cúpulas regionais,
China - América Latina e China
- Oriente Médio. A China também deveria estimular o uso do
yuan como moeda para o comércio bilateral. Acho incrível
que ainda usemos o dólar até
com a Europa. A China tem dólar demais, não de menos, esse
é o problema do excesso de
nossas reservas internacionais.
Temos de tentar diminuir esse
excesso. Também deveríamos
oferecer programas de treinamento militar para países em
desenvolvimento.
VANTAGENS DA CHINA
A crise financeira teve um
grande impacto na nossa política externa. A crise levantou o
status da China na arena internacional, nos deixou mais confiantes e fez com que o mundo
veja que nosso modelo tem
vantagens. É da natureza humana achar que todo sucesso é
baseado em algum modelo correto. Agora, muitos se perguntam o que vale aprender sobre a
China.
A China vai colocar mais e
mais fé no dinheiro, achando
que o resto do mundo mudará
suas atitudes em relação ao país
por conta do dinheiro. Não há
sociedade ou juventude que
adore mais o dinheiro que os
chineses.
MAIS ABERTURA
Muito se fala se a China está
se reestatizando ou não. Sei que
há defensores, mas eu defendo
que a economia chinesa seja
mais e mais baseada e estimulada no setor privado do que
nas estatais. É impossível que
haja um retrocesso porque a
adoração por dinheiro é a única
ideologia na sociedade chinesa
atual, e duvido que o governo
consiga reverter isso.
O marxismo é uma teoria
científica que pode explicar vários fenômenos sociais. Mas diz
que a economia é a base da superestrutura da sociedade, do
que discordo. Na China dos últimos 60 anos, cada grande mudança econômica aconteceu
por mudança na política.
OBAMA NA CHINA
A mídia americana retratou a
visita de Obama como fracasso,
mas eu acho que ele atingiu
seus dois objetivos principais:
engajar a China na estratégia
global americana e melhorar a
imagem do país no mundo. Foi
mais bem sucedido que [Bill]
Clinton ou [George W.] Bush.
Os EUA começaram com essa
política de engajamento em
1996, mas ninguém chegou tão
longe em um acordo.
No combate à proliferação
nuclear, em meio ambiente, em
economia, estamos mais unidos agora. Mas ele não conquistou coisas esperadas pela mídia
americana, como fazer alguma
declaração bombástica sobre
direitos humanos.
Não acho que a visita de Obama tenha resultados imediatos
em relação à política chinesa
quanto ao Irã, nem quanto às
relações bilaterais da China
com Mianmar, Coreia do Norte
ou Sudão.
CONTENÇÃO
Tanto o presidente Hu [Jintao] como o premiê Wen [Jiabao] usaram em 2003 o termo
"ascensão pacífica" em discursos para se referir à China. Em
2004, o termo foi aposentado e
passou-se a usar "desenvolvimento pacífico".
Acho que a razão fundamental para a mudança do termo é
que a China não quer desafiar a
posição dominante dos EUA.
Os críticos no final dos anos 90
diziam que se a China se chamasse de poder ascendente, os
EUA veriam a China como inimigo e passariam a adotar uma
política de contenção.
É estúpido substituir uma
palavra porque provocou suspeitas em outros. A estratégia
só faz a teoria de que a China é
uma ameaça mais popular e
convincente.
SOFT POWER
Acho que há menos ataques e
críticas à China após a crise financeira, o que é um indicador
do crescimento do "soft power"
da China. A China deveria dar
mais ideias ao resto do mundo,
em vez de ficar reforçando as
ideias que já circulam por aí.
Precisamos convidar mais
autoridades, acadêmicos, empresários e artistas de todo o
mundo para cá, organizar conferências internacionais para
ver o que acontece neste país
com seus olhos.
AFEGANISTÃO
Sou contrário à ideia da China enviar tropas ao Afeganistão. Já que a Otan não conseguiu vencer essa guerra em oito
anos, eles têm uma chance
muito remota de vencê-la no
prazo anunciado pelo governo
Obama. Se a Otan está condenada a fracassar lá, seria irracional para a China se unir a um
time que está perdendo.
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