São Paulo, sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

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HAITI EM RUÍNAS

Lixão vira cemitério em Porto Príncipe

Local escolhido pelo governo e ONU pela baixa densidade demográfica tem corpos insepultos e pessoas atrás de parentes desaparecidos

Após autoridades terem deixado de realizar enterros em valas coletivas, haitianos passaram a incinerar os cadáveres por conta própria


Stan Honda/France Presse
Haitianos reviram escombros em Porto Príncipe, que ficou 75% destruída conforme relatou enviado da ONU ontem; a organização também alertou para o risco que o alto número de desabrigados representará na temporada de tempestades, que começa em maio

FÁBIO ZANINI
ALAN MARQUES
ENVIADOS ESPECIAIS A PORTO PRÍNCIPE

Sem identidade, parentes por perto ou sepultura própria, é no lixão de Titanyen, 20 km ao norte de Porto Príncipe, que incontáveis haitianos vítimas do terremoto estão sendo enterrados ou queimados.
Também para lá, dezenas de pessoas têm rumado nos últimos dias procurando parentes ainda desaparecidos.
"Chegamos logo de manhã e olhamos em toda parte, mas não conseguimos encontrar ninguém. Amanhã voltamos", disse Job Belimaire, que procurava pelos corpos de seu pai, de uma tia e de dois primos.
Joseph Michaud, que acompanhava Belimaire na busca, era mais realista. "Sabemos que eles simplesmente desapareceram", afirmou.
Alguns mortos ainda esperam pelo enterro, quase 20 dias após o desastre de 12 de janeiro. Ontem, cerca de 20 corpos, de mulheres, homens e crianças, jaziam amontoados à beira de uma estradinha de terra, apodrecendo no calor.
A vasta área descampada, onde antes havia apenas latas, garrafas velhas, plástico e muito lixo orgânico, agora tem vários pontos com mato carbonizado, ainda soltando fumaça.
São locais onde corpos foram queimados nos últimos dias. Ainda é possível perceber ossos e crânios em alguns lugares, fumegando.
Em outros locais, o que já foram corpos eram montinhos de cinza branca, que voavam com o vento. Mas, como explicava Belimaire ontem pela manhã, por baixo das cinzas às vezes é possível reconhecer um rosto. "Vale a pena revirar", disse.
Além disso, em dezenas de pontos a terra foi revirada recentemente, sinal de que ali foi cavada uma vala comum.
Moscas circulam às milhares, mas o cheiro de carniça não é tão forte como se esperaria. O odor é o de queimado.
Titanyen foi escolhido pelo governo haitiano e pela ONU para ser sede das valas coletivas do terremoto haitiano por ser um local de pouca densidade populacional.
Nos dias que se seguiram ao terremoto, as autoridades locais e da organização internacional enterraram ali os corpos que jaziam abandonados nas ruas da capital. A ordem era se livrar rapidamente de possíveis focos de doenças.
O Exército brasileiro colaborou na operação, sepultando, segundo suas estimativas, cerca de 300 pessoas.
Até agora, não há dados oficiais sobre o total de mortos enterrados nas valas comuns. As estimativas são palpites tão díspares quanto os números usados para determinar o total de vítimas da tragédia. Alguns falam em 10 mil pessoas em Titanyen. A cifra salta para até 70 mil segundo outras fontes.
A Minustah (força de paz da ONU, liderada pelo Brasil) afirma que procurou respeitar ao máximo algumas diretrizes para dar alguma dignidade aos mortos. As covas são preparadas "espiritualmente" por padres cristãos e líderes da religião vodu, muito forte no Haiti.
Fotos são tiradas dos mortos e armazenadas, com as indicações do ponto em que foram localizados e de onde foram enterrados, para que a família posteriormente possa venerá-los no local correto.
Mas, dada a extensão do lixão e as incontáveis covas no local, é difícil imaginar que isso tenha acontecido em todos os casos.
Há alguns dias, relatam moradores, os enterros patrocinados pelo governo cessaram.
Imediatamente as fogueiras se multiplicaram, já que os cadáveres não param de aparecer.
Agora, os próprios cidadãos se encarregam de incinerar os seus mortos.


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