São Paulo, domingo, 29 de fevereiro de 2004

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Admiração por Lula e sucesso de "Cidade de Deus" são alguns dos exemplos da atual onda de prestígio dos brasileiros no exterior

Brasil cult

VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO

O Brasil está em alta. Se houvesse um índice para medir o prestígio-país, assim como existe o risco-país para calcular as expectativas de darmos um calote na dívida externa, talvez ele estivesse batendo recordes.
De uns tempos para cá, tem havido um grande interesse no exterior pelo Brasil, que é refletido em notícias sobre cinema, culinária, música, política, moda, economia, saúde e esporte. Apesar de a produção de escândalos de corrupção continuar ativa, como bem mostra Waldomiro Diniz, estão caindo para um segundo plano as tradicionais manchetes sobre vergonhas nacionais, como o massacre do Carandiru, a prostituição infantil, o assassinato de índios e a lambada.
"De certa forma o Brasil entrou na moda. Pessoas como Guga, Gisele Bündchen e Lula e o filme "Cidade de Deus" estão fazendo com que os editores de Nova York queiram mais histórias", afirma Michael Astor, da agência de notícias Associated Press.
"O "Cidade de Deus" ajudou a chamar atenção sobre a comunidade criativa daí. Acho também que a música brasileira tem uma influência muito maior agora, tanto a tradicional quanto a dance music", diz Mark Hooper, editor-assistente da revista inglesa "i-D", publicação que, para os descolados, é um item tão indispensável quanto óculos escuros Gucci.
Em sua edição de dezembro, a "i-D" destacou nomes como Matheus Nachtergaele, Johnathan Haagensen e Fernanda Lima ("as novas estrelas que estão ajudando a redefinir a paisagem cultural do país na trilha do sucesso internacional de "Cidade de Deus'").
Não se trata de afirmar que o mundo está enfim reconhecendo os méritos de uma nova potência. É preciso relativizar um pouco esse sucesso: tudo o que os brasileiros exaltam em Gisele Bündchen, na nossa música e no nosso cinema, os argentinos também falam do tango, do cinema de lá e de Valeria Mazza (a supermodelo "número 1 do mundo" deles).
Mas o país vive um ciclo que lembra em parte aquele momento de euforia no início dos anos 60, quando a conquista da Copa do Mundo na Suécia, a bossa nova e a construção de Brasília atraíam a atenção internacional e inflavam a auto-estima dos brasileiros.
No plano político, a mudança da visão sobre o Brasil já vem ocorrendo há pelo menos três anos, a partir da gestão de José Serra no Ministério da Saúde. O programa de combate à Aids desenvolvido no país e a luta encabeçada pelo governo brasileiro para forçar os grandes laboratórios internacionais a baixar os preços dos remédios contra a doença receberam fartos elogios.
"A importância do Brasil na luta contra a Aids é inquestionável. No âmbito da ONU, o Brasil também tem sido muito ativo na promoção da saúde como um direito humano", afirma o belga Michel Lotrowska, da ONG Médicos Sem Fronteiras.
A vitória de Lula na eleição de 2002 e o início de sua administração ganharam amplo espaço até na imprensa da Coréia do Sul. "As notícias sobre o Brasil aumentaram dramaticamente desde a eleição do presidente Lula. Todos aqui estão curiosos: "Vamos ver se esse cara pode obter sucesso'", afirma Byoungsoo Sohn, publisher da edição sul-coreana da revista "Forbes".
A decisão de um juiz brasileiro de submeter todos os americanos que desembarcam no país ao fichamento e à coleta de impressões digitais também garantiu muitos holofotes para cá. No México, a imagem do comandante da American Airlines fazendo um gesto obsceno enquanto era fotografado apareceu em quase todas as primeiras páginas dos jornais.
O Canadá também mostra interesse no que está acontecendo por aqui. "A coisa mudou, sobretudo com os fóruns mundiais sociais realizados em Porto Alegre. A posse de Lula faz com que a cada dia tenhamos informações novas sobre a OMC [Organização Mundial do Comércio], sobre a posição do Brasil contra o presidente americano, George W. Bush, e contra a Alca [Área de Livre Comércio das Américas]. Os membros da sociedade civil tomam como exemplo a posição do Brasil para mudar a posição canadense. Pela primeira vez são coisas que vêm do Sul para o Norte", diz Bernard Andrès, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas sobre o Brasil da Universidade de Québec.
A lista de concorrentes ao Oscar deste ano também representa o alcance de um outro degrau para o cinema brasileiro. Além da indicação de Fernando Meirelles para melhor diretor, há a presença inédita de brasileiros nas categorias montagem, roteiro adaptado, fotografia e curta de animação -esta última para "Gone Nutty", de Carlos Saldanha.
O impacto internacional causado pelo filme, no entanto, não é de maneira geral associado à cinematografia brasileira. "Acho que há no ar uma certa atenção para o cinema latino-americano como um todo", opina Meirelles.
O fotógrafo César Charlone, 53, que é uruguaio, mas desenvolve há três décadas sua carreira cinematográfica no Brasil, concorda com Meirelles. "O Brasil está pegando carona e agora está vivendo um boom. Quando "Cidade de Deus" estreou lá fora, as pessoas ficaram atentas. Imediatamente recebi um convite para trabalhar em um grande filme da Fox", conta Charlone, que também já rodou um outro projeto ("SFC"), com Spike Lee.

Ano do Brasil na França
Com uma tradição de promover uma série de eventos para homenagear a cultura de outras nações, a França declarou 2005 o Ano do Brasil. De abril ou maio a dezembro, mostras e apresentações acontecerão em várias cidades francesas.
No Reino Unido, a rede de lojas de departamentos Selfridges também elegeu o Brasil como tema do seu principal evento deste ano. Durante maio, as lojas vão ter o mês "Brasil 40C" (assim mesmo, Brasil com s, e não z). Haverá a projeção de filmes, apresentações musicais e até, garante a Selfridges, exibições do mais legítimo vôlei de praia. As vitrines e as instalações das lojas vão ser preenchidas com cerca de 600 produtos brasileiros (de cristais e móveis a instrumentos musicais e "artefatos espirituais").
Entre os destaques das exportações brasileiras está a cachaça -em 2002 foram vendidos 14,8 milhões de litros para o exterior. A caipirinha figura entre os drinques dos principais restaurantes da moda europeus e americanos.
Outro produto bastante popular são as sandálias Havaianas, presentes em 56 países, em todos os continentes. As vendas ao exterior, segundo a Alpargatas, crescem em ritmo acelerado: em 2002 foram 3,5 milhões de pares e, no ano passado, 5,4 milhões. Endossadas pelas revistas "Cosmopolitan" e "Elle", as sandálias viraram hit no verão de 2003 no Reino Unido, chegando a ser vendidas em lojas de estilistas em Londres. Madonna, Sandra Bullock, Kelly Osbourne e Naomi Campbell são algumas das celebridades que já calçaram as sandálias.
No campo da moda, apesar de muitos estilistas brasileiros estarem tentando se estabelecer no exterior, ainda há um caminho a ser percorrido, como reconhece Carlos Miele, que abriu no ano passado uma sofisticada loja em Nova York e tem criações suas vestidas por Sarah Jessica Parker e Christina Aguilera. "Tenho recebido muitos prêmios e críticas boas. Estou muito feliz, mas estou tentando ser realista. Apesar de estar em 15 países, ainda não acho que tenho sucesso. Ele só vai chegar quando conseguir um grande volume de venda."
Sucesso mesmo, diz Miele, quem faz são as modelos brasileiras. Ele afirma que o êxito delas está dando "uma carona" para os estilistas do país. "A mulher brasileira era relacionada a Carnaval, erotismo. Agora, por causa das modelos, a brasileira é vista como muito chique."
Enquanto os estilistas brasileiros ainda lutam por um maior reconhecimento, no segmento da moda praia o Brasil ocupa um bom espaço. As exportações de biquínis estão crescendo e seu sucesso também tem a ver com as curvas da mulher brasileira, segundo a empresária Adriana Portugal, que exporta biquínis para a Europa, a África do Sul, o Panamá e o Líbano: "A vantagem que temos é o corpo bonito da brasileira, que permitiu um melhor desenvolvimento da modelagem".
A empresária acredita que muito do prestígio da moda praia brasileira se deva à associação que os estrangeiros fazem dos produtos com as imagens tradicionais de nosso país -um lugar quente, exótico, habitado por pessoas alegres e cheias de entusiasmo.
"O Brasil é visto como glamouroso e excitante pela mídia e especialmente pelos jovens daqui", afirma a editora Liz Calder, responsável pelo lançamento no Reino Unido de escritores como Chico Buarque, Milton Hatoum, Rubem Fonseca e Patrícia Melo. "A música, os filmes, a moda, a maneira de viver são consideradas por muita gente como o que há de mais moderno."
Não é sempre, porém, que toda a ginga, a malícia e o bom humor brasileiros arrebatam admiradores no hemisfério Norte.
No ano passado, a multinacional Molson resolveu exibir no Canadá um dos anúncios brasileiros da cerveja Bavária. As imagens do comercial que mostrava um homem na praia descobrindo que podia controlar os movimentos de uma garota de biquíni manuseando uma garrafa despertaram a ira de mulheres e movimentos feministas canadenses. A Media Watch, organização que combate o sexismo nos meios de comunicação, disse que a maneira como o comercial retrata as mulheres corresponde à visão machista de 20 ou 30 anos atrás.



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