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Admiração por Lula e sucesso de "Cidade de Deus" são alguns dos exemplos da atual onda de prestígio dos brasileiros no exterior
Brasil cult
VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO
O Brasil está em alta. Se houvesse um índice para medir o prestígio-país, assim como existe o risco-país para calcular as expectativas de darmos um calote na dívida externa, talvez ele estivesse batendo recordes.
De uns tempos para cá, tem havido um grande interesse no exterior pelo Brasil, que é refletido em
notícias sobre cinema, culinária,
música, política, moda, economia, saúde e esporte. Apesar de a
produção de escândalos de corrupção continuar ativa, como
bem mostra Waldomiro Diniz,
estão caindo para um segundo
plano as tradicionais manchetes
sobre vergonhas nacionais, como
o massacre do Carandiru, a prostituição infantil, o assassinato de
índios e a lambada.
"De certa forma o Brasil entrou
na moda. Pessoas como Guga, Gisele Bündchen e Lula e o filme "Cidade de Deus" estão fazendo com
que os editores de Nova York
queiram mais histórias", afirma
Michael Astor, da agência de notícias Associated Press.
"O "Cidade de Deus" ajudou a
chamar atenção sobre a comunidade criativa daí. Acho também
que a música brasileira tem uma
influência muito maior agora,
tanto a tradicional quanto a dance
music", diz Mark Hooper, editor-assistente da revista inglesa "i-D",
publicação que, para os descolados, é um item tão indispensável
quanto óculos escuros Gucci.
Em sua edição de dezembro, a
"i-D" destacou nomes como Matheus Nachtergaele, Johnathan
Haagensen e Fernanda Lima ("as
novas estrelas que estão ajudando
a redefinir a paisagem cultural do
país na trilha do sucesso internacional de "Cidade de Deus'").
Não se trata de afirmar que o
mundo está enfim reconhecendo
os méritos de uma nova potência.
É preciso relativizar um pouco esse sucesso: tudo o que os brasileiros exaltam em Gisele Bündchen,
na nossa música e no nosso cinema, os argentinos também falam
do tango, do cinema de lá e de Valeria Mazza (a supermodelo "número 1 do mundo" deles).
Mas o país vive um ciclo que
lembra em parte aquele momento
de euforia no início dos anos 60,
quando a conquista da Copa do
Mundo na Suécia, a bossa nova e a
construção de Brasília atraíam a
atenção internacional e inflavam
a auto-estima dos brasileiros.
No plano político, a mudança
da visão sobre o Brasil já vem
ocorrendo há pelo menos três
anos, a partir da gestão de José
Serra no Ministério da Saúde. O
programa de combate à Aids desenvolvido no país e a luta encabeçada pelo governo brasileiro
para forçar os grandes laboratórios internacionais a baixar os
preços dos remédios contra a
doença receberam fartos elogios.
"A importância do Brasil na luta
contra a Aids é inquestionável. No
âmbito da ONU, o Brasil também
tem sido muito ativo na promoção da saúde como um direito humano", afirma o belga Michel Lotrowska, da ONG Médicos Sem
Fronteiras.
A vitória de Lula na eleição de
2002 e o início de sua administração ganharam amplo espaço até
na imprensa da Coréia do Sul. "As
notícias sobre o Brasil aumentaram dramaticamente desde a eleição do presidente Lula. Todos
aqui estão curiosos: "Vamos ver se
esse cara pode obter sucesso'",
afirma Byoungsoo Sohn, publisher da edição sul-coreana da revista "Forbes".
A decisão de um juiz brasileiro
de submeter todos os americanos
que desembarcam no país ao fichamento e à coleta de impressões digitais também garantiu
muitos holofotes para cá. No México, a imagem do comandante
da American Airlines fazendo um
gesto obsceno enquanto era fotografado apareceu em quase todas
as primeiras páginas dos jornais.
O Canadá também mostra interesse no que está acontecendo por
aqui. "A coisa mudou, sobretudo
com os fóruns mundiais sociais
realizados em Porto Alegre. A
posse de Lula faz com que a cada
dia tenhamos informações novas
sobre a OMC [Organização Mundial do Comércio], sobre a posição do Brasil contra o presidente
americano, George W. Bush, e
contra a Alca [Área de Livre Comércio das Américas]. Os membros da sociedade civil tomam como exemplo a posição do Brasil
para mudar a posição canadense.
Pela primeira vez são coisas que
vêm do Sul para o Norte", diz Bernard Andrès, diretor do Centro de
Estudos e Pesquisas sobre o Brasil
da Universidade de Québec.
A lista de concorrentes ao Oscar
deste ano também representa o
alcance de um outro degrau para
o cinema brasileiro. Além da indicação de Fernando Meirelles para
melhor diretor, há a presença inédita de brasileiros nas categorias
montagem, roteiro adaptado, fotografia e curta de animação
-esta última para "Gone Nutty",
de Carlos Saldanha.
O impacto internacional causado pelo filme, no entanto, não é de
maneira geral associado à cinematografia brasileira. "Acho que
há no ar uma certa atenção para o
cinema latino-americano como
um todo", opina Meirelles.
O fotógrafo César Charlone, 53,
que é uruguaio, mas desenvolve
há três décadas sua carreira cinematográfica no Brasil, concorda
com Meirelles. "O Brasil está pegando carona e agora está vivendo um boom. Quando "Cidade de
Deus" estreou lá fora, as pessoas
ficaram atentas. Imediatamente
recebi um convite para trabalhar
em um grande filme da Fox", conta Charlone, que também já rodou um outro projeto ("SFC"),
com Spike Lee.
Ano do Brasil na França
Com uma tradição de promover
uma série de eventos para homenagear a cultura de outras nações,
a França declarou 2005 o Ano do
Brasil. De abril ou maio a dezembro, mostras e apresentações
acontecerão em várias cidades
francesas.
No Reino Unido, a rede de lojas
de departamentos Selfridges também elegeu o Brasil como tema do
seu principal evento deste ano.
Durante maio, as lojas vão ter o
mês "Brasil 40C" (assim mesmo,
Brasil com s, e não z). Haverá a
projeção de filmes, apresentações
musicais e até, garante a Selfridges, exibições do mais legítimo
vôlei de praia. As vitrines e as instalações das lojas vão ser preenchidas com cerca de 600 produtos
brasileiros (de cristais e móveis a
instrumentos musicais e "artefatos espirituais").
Entre os destaques das exportações brasileiras está a cachaça
-em 2002 foram vendidos 14,8
milhões de litros para o exterior.
A caipirinha figura entre os drinques dos principais restaurantes
da moda europeus e americanos.
Outro produto bastante popular são as sandálias Havaianas,
presentes em 56 países, em todos
os continentes. As vendas ao exterior, segundo a Alpargatas, crescem em ritmo acelerado: em 2002
foram 3,5 milhões de pares e, no
ano passado, 5,4 milhões. Endossadas pelas revistas "Cosmopolitan" e "Elle", as sandálias viraram
hit no verão de 2003 no Reino
Unido, chegando a ser vendidas
em lojas de estilistas em Londres.
Madonna, Sandra Bullock, Kelly
Osbourne e Naomi Campbell são
algumas das celebridades que já
calçaram as sandálias.
No campo da moda, apesar de
muitos estilistas brasileiros estarem tentando se estabelecer no
exterior, ainda há um caminho a
ser percorrido, como reconhece
Carlos Miele, que abriu no ano
passado uma sofisticada loja em
Nova York e tem criações suas
vestidas por Sarah Jessica Parker e
Christina Aguilera. "Tenho recebido muitos prêmios e críticas
boas. Estou muito feliz, mas estou
tentando ser realista. Apesar de
estar em 15 países, ainda não acho
que tenho sucesso. Ele só vai chegar quando conseguir um grande
volume de venda."
Sucesso mesmo, diz Miele,
quem faz são as modelos brasileiras. Ele afirma que o êxito delas
está dando "uma carona" para os
estilistas do país. "A mulher brasileira era relacionada a Carnaval,
erotismo. Agora, por causa das
modelos, a brasileira é vista como
muito chique."
Enquanto os estilistas brasileiros ainda lutam por um maior reconhecimento, no segmento da
moda praia o Brasil ocupa um
bom espaço. As exportações de
biquínis estão crescendo e seu sucesso também tem a ver com as
curvas da mulher brasileira, segundo a empresária Adriana Portugal, que exporta biquínis para a
Europa, a África do Sul, o Panamá
e o Líbano: "A vantagem que temos é o corpo bonito da brasileira, que permitiu um melhor desenvolvimento da modelagem".
A empresária acredita que muito do prestígio da moda praia brasileira se deva à associação que os
estrangeiros fazem dos produtos
com as imagens tradicionais de
nosso país -um lugar quente,
exótico, habitado por pessoas alegres e cheias de entusiasmo.
"O Brasil é visto como glamouroso e excitante pela mídia e especialmente pelos jovens daqui",
afirma a editora Liz Calder, responsável pelo lançamento no Reino Unido de escritores como Chico Buarque, Milton Hatoum, Rubem Fonseca e Patrícia Melo. "A
música, os filmes, a moda, a maneira de viver são consideradas
por muita gente como o que há de
mais moderno."
Não é sempre, porém, que toda
a ginga, a malícia e o bom humor
brasileiros arrebatam admiradores no hemisfério Norte.
No ano passado, a multinacional Molson resolveu exibir no Canadá um dos anúncios brasileiros
da cerveja Bavária. As imagens do
comercial que mostrava um homem na praia descobrindo que
podia controlar os movimentos
de uma garota de biquíni manuseando uma garrafa despertaram
a ira de mulheres e movimentos
feministas canadenses. A Media
Watch, organização que combate
o sexismo nos meios de comunicação, disse que a maneira como
o comercial retrata as mulheres
corresponde à visão machista de
20 ou 30 anos atrás.
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