São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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Narcotráfico ganha espaço na cultura popular mexicana

"Narcocultura" tem seu próprio estilo musical e abraça o sincretismo religioso, que acompanha a rota do tráfico

80% dos mexicanos acham que cultura do tráfico é cada vez mais exaltada; consumo é alto e comércio ilegal ocupa centenas de milhares

DO ENVIADO A CIUDAD JUÁREZ

Com mais de três décadas de narcotráfico, que envolve centenas de milhares de pessoas, o México desenvolveu diversificada e popular "narcocultura", que abrange manifestações religiosas, música do estilo narcocorrido e um alto consumo interno de drogas ilícitas.
"O poder trazido pela adesão a um grupo do narcotráfico é muito tentador, levando em conta que nesta sociedade se ensina que "ou golpeias ou te golpeiam'", disse Lydia Cordero, da ONG Casa Amiga, que trabalha com jovens da periferia de Ciudad Juárez, onde milhares se envolvem em organizações criminosas, como os Artistas Assassinos (AA). "A admiração por um traficante ou sicário vem do poder gerado por machucar outras pessoas, aliado ao fator econômico."
Pesquisa realizada no México em julho e agosto de 2008 pela rede britânica BBC reflete a percepção de Cordero. O levantamento mostra que 80% dos entrevistados consideram que a cultura narco está sendo cada vez mais exaltada no país e 81% acreditam que o narcotráfico esteja penetrando em vários aspectos da cultura local.
A manifestação mais conhecida são os narcocorridos, que narram grandes feitos -reais ou fictícios- de traficantes, como a entrega de uma grande quantidade de cocaína aos EUA. Há relatos de chefes do tráfico que pagam pequenas fortunas para terem suas histórias imortalizadas em música.
Com uma sonoridade parecida à do sertanejo brasileiro, os narcocorridos estão banidos da rádio e da TV em locais como o Estado de Sinaloa (centro-norte), epicentro da narcocultura. Mas o gênero popularizado nos anos 1970 pelo legendário grupo Tigres do Norte resiste e prospera por meio de CDs piratas e da internet. No dia 19, um narcocorrido em homenagem ao traficante Vicente Zambada apareceu no You Tube horas depois de ele ter sido preso.

Narcorreligião
Por sua vez, a "narcorreligião" envolve dois fenômenos de sincretismo: o santo Malverde e o culto à Santa Morte. No primeiro caso, trata-se do culto a Jesús Malverde, espécie de Robin Hood mexicano que teria vivido em Sinaloa até o início do século 20. Imagens do santo bigodudo podem ser encontradas até na Colômbia e em Los Angeles, seguindo a rota do tráfico.
Já a Santa Morte, combatida pela Igreja Católica, é representada por uma macabra figura de caveira. Tem centenas de capelas pelo México e é muito cultuada por narcotraficantes, embora não se restrinja a eles.
Os dois cultos têm sido perseguidos na guerra ao narcotráfico. Na semana passada, mais de 30 imagens que estavam numa estrada perto de Nuevo Laredo (fronteira com os EUA) foram derrubadas pelo governo local. Em outra cidade fronteiriça, Tijuana, duas capelas de Malverde foram destruídas -ninguém assumiu a autoria.
Uma das explicações para o fenômeno da narcocultura é o número de pessoas envolvidas no narcotráfico: cerca de 450 mil, segundo estimativa divulgada no ano passado pela Secretaria da Defesa Nacional.
De acordo com Samuel González, ex-procurador antidrogas da Procuradoria Geral da República, grande parte desses envolvidos são vendedores do comércio local, e não traficantes internacionais. "A violência que estamos vendo é pelo controle do abastecimento interno do México, e não dos EUA", disse González, em entrevista por telefone. (FM)


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