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Narcotráfico ganha espaço na cultura popular mexicana
"Narcocultura" tem seu próprio estilo musical e abraça o sincretismo religioso, que acompanha a rota do tráfico
80% dos mexicanos acham que cultura do tráfico é cada vez mais exaltada; consumo é alto e comércio ilegal ocupa centenas de milhares
DO ENVIADO A CIUDAD JUÁREZ
Com mais de três décadas de
narcotráfico, que envolve centenas de milhares de pessoas, o
México desenvolveu diversificada e popular "narcocultura",
que abrange manifestações religiosas, música do estilo narcocorrido e um alto consumo interno de drogas ilícitas.
"O poder trazido pela adesão
a um grupo do narcotráfico é
muito tentador, levando em
conta que nesta sociedade se
ensina que "ou golpeias ou te
golpeiam'", disse Lydia Cordero, da ONG Casa Amiga, que
trabalha com jovens da periferia de Ciudad Juárez, onde milhares se envolvem em organizações criminosas, como os Artistas Assassinos (AA). "A admiração por um traficante ou
sicário vem do poder gerado
por machucar outras pessoas,
aliado ao fator econômico."
Pesquisa realizada no México em julho e agosto de 2008
pela rede britânica BBC reflete
a percepção de Cordero. O levantamento mostra que 80%
dos entrevistados consideram
que a cultura narco está sendo
cada vez mais exaltada no país e
81% acreditam que o narcotráfico esteja penetrando em vários aspectos da cultura local.
A manifestação mais conhecida são os narcocorridos, que
narram grandes feitos -reais
ou fictícios- de traficantes, como a entrega de uma grande
quantidade de cocaína aos
EUA. Há relatos de chefes do
tráfico que pagam pequenas
fortunas para terem suas histórias imortalizadas em música.
Com uma sonoridade parecida à do sertanejo brasileiro, os
narcocorridos estão banidos da
rádio e da TV em locais como o
Estado de Sinaloa (centro-norte), epicentro da narcocultura.
Mas o gênero popularizado nos
anos 1970 pelo legendário grupo Tigres do Norte resiste e
prospera por meio de CDs piratas e da internet. No dia 19, um
narcocorrido em homenagem
ao traficante Vicente Zambada
apareceu no You Tube horas
depois de ele ter sido preso.
Narcorreligião
Por sua vez, a "narcorreligião" envolve dois fenômenos
de sincretismo: o santo Malverde e o culto à Santa Morte. No
primeiro caso, trata-se do culto
a Jesús Malverde, espécie de
Robin Hood mexicano que teria vivido em Sinaloa até o início do século 20. Imagens do
santo bigodudo podem ser encontradas até na Colômbia e
em Los Angeles, seguindo a rota do tráfico.
Já a Santa Morte, combatida
pela Igreja Católica, é representada por uma macabra figura de caveira. Tem centenas de
capelas pelo México e é muito
cultuada por narcotraficantes,
embora não se restrinja a eles.
Os dois cultos têm sido perseguidos na guerra ao narcotráfico. Na semana passada, mais
de 30 imagens que estavam numa estrada perto de Nuevo Laredo (fronteira com os EUA)
foram derrubadas pelo governo
local. Em outra cidade fronteiriça, Tijuana, duas capelas de
Malverde foram destruídas
-ninguém assumiu a autoria.
Uma das explicações para o
fenômeno da narcocultura é o
número de pessoas envolvidas
no narcotráfico: cerca de 450
mil, segundo estimativa divulgada no ano passado pela Secretaria da Defesa Nacional.
De acordo com Samuel González, ex-procurador antidrogas da Procuradoria Geral da
República, grande parte desses
envolvidos são vendedores do
comércio local, e não traficantes internacionais. "A violência
que estamos vendo é pelo controle do abastecimento interno
do México, e não dos EUA", disse González, em entrevista por
telefone.
(FM)
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