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TIGRES EM QUEDA
Problema econômico faz com que aumente perseguição a empresários chineses na Indonésia e Malásia
Chinês é bode expiatório da crise asiática
MARCIO AITH
enviado especial a Jacarta
Sofjian Wanandi, 57, é um
exemplo típico da rica minoria étnica chinesa que controla 60% da
economia do Sudeste Asiático.
Apesar de faturar US$ 1,5 bilhão
por ano, ele veste roupas simples,
trabalha num escritório discreto
no centro de Jacarta e carrega um
olhar cada vez mais desconfiado.
Como todos os conglomerados
familiares chineses fora da China,
o grupo de Wanandi, parceiro de
multinacionais dos setores farmacêutico e financeiro da Europa e
do Japão, cresceu à custa de muito
trabalho e sob a tutela de um forte
poder político, com o qual desenvolveu uma relação de amor e
ódio.
Como líder estudantil, Wanandi
apoiou em 1967 o sangrento golpe
de Estado que matou pelo menos
500 mil supostos simpatizantes
dos comunistas e levou ao poder o
presidente Suharto, atualmente
no comando da Indonésia.
Até 1974, Wanandi foi conselheiro do presidente e ensinou seus
principais generais a ganhar dinheiro.
No mês passado, apesar dos favores prestados ao governo, Wanandi foi intimado pela polícia de
Suharto, que o acusou de patrocinar estudantes "terroristas" que
estariam fabricando bombas.
A única "prova" contra Wanandi foi uma mensagem eletrônica
solicitando dinheiro ao empresário. Encontrada na memória do
computador de um suposto terrorista, a mensagem nem havia sido
enviada.
"Esse processo é conhecido,
ocorre periodicamente. Trata-se
de uma montagem", disse ele à
Folha.
A intimação de Wanandi indica
uma mudança na forma com a
qual a intolerância contra chineses
tem se manifestado no último mês
na Indonésia.
Antes, as vítimas eram os pequenos comerciantes chineses, que tinham suas lojas incendiadas. Agora, nem os grandes conglomerados estão escapando da ira contra
essa minoria, estimulada pelo governo.
"Os chineses são os judeus da
Ásia", diz Steve Sondakh, descendente de chineses e diretor da
maior rede de supermercados da
Indonésia, a Hero, que fatura US$
1,2 bilhão por ano. "São sempre os
culpados pelas crises na região",
diz ele.
Sondakh é também o presidente
da associação do comércio varejista na Indonésia.
A convocação de Wanandi assustou o empresariado chinês na
região.
"Não posso citar nomes, mas depois disso pelo menos oito grandes empresários chineses já enviaram suas famílias, quadros e carros para a Austrália e para Cingapura", disse Desmont Pinto, representante da maior empresa de
mudanças da Indonésia, a Citra
Air.
US$ 2 trilhões
Existem hoje cerca de 55 milhões
de chineses morando fora da China, sendo que 30 milhões no Sudeste Asiático.
Pela intolerância que sofrem,
principalmente em países majoritariamente muçulmanos, os chineses se unem por meio de um império sem fronteiras, nacionalidade ou bandeira.
Segundo bancos em Cingapura,
eles controlam US$ 2 trilhões em
ativos líquidos, o que corresponde
a 2,5 vezes o PIB brasileiro (soma
de todas as riquezas produzidas no
país em um ano).
No Sudeste Asiático, onde chegaram há cerca de 2.000 anos, eles
são os responsáveis por 60% de todos os produtos e serviços vendidos, embora correspondam somente a 25% da população da região.
A crise econômica asiática não
afetou a economia desse império,
que permaneceu praticamente
imune aos efeitos destruidores
que derrubaram economias e governos como os da Tailândia e Coréia do Sul.
Empresários como Wanandi e
Sondakh pressentiram os sinais de
mudanças e se prepararam.
Espalharam seus negócios pelos
quatro cantos do mundo, preservando-os, como fez Wanandi.
Ou mantiveram ativos externos
que garantiram o pagamento dos
empréstimos que tinham em dólar
-caso da rede de supermercados
de Sondakh.
Mas o sucesso empresarial tem
um preço, que começou a ser pago
com a intimação de Wanandi.
Malásia
Apesar das últimas manifestações antichinesas na Indonésia, é
na Malásia que as perseguições
políticas e religiosas são mais evidentes.
Desde 1971, os chineses são proibidos de comprar empresas dos
"bumiputras", termo que significa
"filhos do solo" e serve para denominar a população majoritariamente malasiana, em detrimento
dos chineses -mesmo aqueles
nascidos na Malásia.
Em 1969, pelo menos 200 chineses foram assassinados em distúrbios raciais estimulados pelo governo. De lá para cá, as restrições
aos chineses têm aumentado.
Hoje, pelo menos 30% de todas
as companhias malasianas devem,
por lei, ter o controle de "bumiputras".
Foi por conta dessas restrições
que o maior empresário de ascendência chinesa da Ásia, Robert
Kuok, deixou a Malásia para estabelecer seus negócios em Hong
Kong.
De lá, ele controla um império
de US$ 10 bilhões. Kuok é proprietário da rede de hotéis de luxo
Shangrilla, com filiais espalhadas
por toda a Ásia.
No mês passado, pressionado
pela crise asiática e pela falta de investimentos, o primeiro-ministro
Mahatir Mohamad decidiu flexibilizar a restrição à compra de empresas locais por chineses, como
tentativa de atrair o capital dos
chineses de Hong Kong e de Taiwan.
Dois dias depois, entretanto,
voltou atrás. Disse que os chineses
podem comprar companhias na
Malásia, mas a nova lei não dispensa a autorização pessoal do
primeiro-ministro.
Lou Young, descendente de chineses e membro do Partido Democrático da Malásia, acredita
que as medidas não vão atrair o
capital chinês. "Eles são muito
cuidadosos e não caem em ciladas", afirmou.
Sem fronteira
Segundo o autor Sterlin Seagrave, que escreveu um livro analisando a situação dos chineses fora
da China, a característica básica
desses cidadãos sem fronteira é
manter contas bancárias e pelo
menos uma casa fora do território
do país onde vivem.
Se estiverem ameaçados, atravessam rapidamente qualquer
fronteira.
"Além disso, são discretos.
Quanto menos aparecem, menos
sofrem e mais trabalham", diz
Seagrave.
Isso explica as roupas simples de
Wanandi, que, no entanto, não
conseguiu escapar da intolerância
do governo que ele ajudou durante 15 anos.
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