São Paulo, domingo, 29 de março de 1998

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TIGRES EM QUEDA
Problema econômico faz com que aumente perseguição a empresários chineses na Indonésia e Malásia
Chinês é bode expiatório da crise asiática

MARCIO AITH
enviado especial a Jacarta

Sofjian Wanandi, 57, é um exemplo típico da rica minoria étnica chinesa que controla 60% da economia do Sudeste Asiático.
Apesar de faturar US$ 1,5 bilhão por ano, ele veste roupas simples, trabalha num escritório discreto no centro de Jacarta e carrega um olhar cada vez mais desconfiado.
Como todos os conglomerados familiares chineses fora da China, o grupo de Wanandi, parceiro de multinacionais dos setores farmacêutico e financeiro da Europa e do Japão, cresceu à custa de muito trabalho e sob a tutela de um forte poder político, com o qual desenvolveu uma relação de amor e ódio.
Como líder estudantil, Wanandi apoiou em 1967 o sangrento golpe de Estado que matou pelo menos 500 mil supostos simpatizantes dos comunistas e levou ao poder o presidente Suharto, atualmente no comando da Indonésia.
Até 1974, Wanandi foi conselheiro do presidente e ensinou seus principais generais a ganhar dinheiro.
No mês passado, apesar dos favores prestados ao governo, Wanandi foi intimado pela polícia de Suharto, que o acusou de patrocinar estudantes "terroristas" que estariam fabricando bombas.
A única "prova" contra Wanandi foi uma mensagem eletrônica solicitando dinheiro ao empresário. Encontrada na memória do computador de um suposto terrorista, a mensagem nem havia sido enviada.
"Esse processo é conhecido, ocorre periodicamente. Trata-se de uma montagem", disse ele à Folha.
A intimação de Wanandi indica uma mudança na forma com a qual a intolerância contra chineses tem se manifestado no último mês na Indonésia.
Antes, as vítimas eram os pequenos comerciantes chineses, que tinham suas lojas incendiadas. Agora, nem os grandes conglomerados estão escapando da ira contra essa minoria, estimulada pelo governo.
"Os chineses são os judeus da Ásia", diz Steve Sondakh, descendente de chineses e diretor da maior rede de supermercados da Indonésia, a Hero, que fatura US$ 1,2 bilhão por ano. "São sempre os culpados pelas crises na região", diz ele.
Sondakh é também o presidente da associação do comércio varejista na Indonésia.
A convocação de Wanandi assustou o empresariado chinês na região.
"Não posso citar nomes, mas depois disso pelo menos oito grandes empresários chineses já enviaram suas famílias, quadros e carros para a Austrália e para Cingapura", disse Desmont Pinto, representante da maior empresa de mudanças da Indonésia, a Citra Air.
US$ 2 trilhões
Existem hoje cerca de 55 milhões de chineses morando fora da China, sendo que 30 milhões no Sudeste Asiático.
Pela intolerância que sofrem, principalmente em países majoritariamente muçulmanos, os chineses se unem por meio de um império sem fronteiras, nacionalidade ou bandeira.
Segundo bancos em Cingapura, eles controlam US$ 2 trilhões em ativos líquidos, o que corresponde a 2,5 vezes o PIB brasileiro (soma de todas as riquezas produzidas no país em um ano).
No Sudeste Asiático, onde chegaram há cerca de 2.000 anos, eles são os responsáveis por 60% de todos os produtos e serviços vendidos, embora correspondam somente a 25% da população da região.
A crise econômica asiática não afetou a economia desse império, que permaneceu praticamente imune aos efeitos destruidores que derrubaram economias e governos como os da Tailândia e Coréia do Sul.
Empresários como Wanandi e Sondakh pressentiram os sinais de mudanças e se prepararam.
Espalharam seus negócios pelos quatro cantos do mundo, preservando-os, como fez Wanandi.
Ou mantiveram ativos externos que garantiram o pagamento dos empréstimos que tinham em dólar -caso da rede de supermercados de Sondakh.
Mas o sucesso empresarial tem um preço, que começou a ser pago com a intimação de Wanandi.
Malásia
Apesar das últimas manifestações antichinesas na Indonésia, é na Malásia que as perseguições políticas e religiosas são mais evidentes.
Desde 1971, os chineses são proibidos de comprar empresas dos "bumiputras", termo que significa "filhos do solo" e serve para denominar a população majoritariamente malasiana, em detrimento dos chineses -mesmo aqueles nascidos na Malásia.
Em 1969, pelo menos 200 chineses foram assassinados em distúrbios raciais estimulados pelo governo. De lá para cá, as restrições aos chineses têm aumentado.
Hoje, pelo menos 30% de todas as companhias malasianas devem, por lei, ter o controle de "bumiputras".
Foi por conta dessas restrições que o maior empresário de ascendência chinesa da Ásia, Robert Kuok, deixou a Malásia para estabelecer seus negócios em Hong Kong.
De lá, ele controla um império de US$ 10 bilhões. Kuok é proprietário da rede de hotéis de luxo Shangrilla, com filiais espalhadas por toda a Ásia.
No mês passado, pressionado pela crise asiática e pela falta de investimentos, o primeiro-ministro Mahatir Mohamad decidiu flexibilizar a restrição à compra de empresas locais por chineses, como tentativa de atrair o capital dos chineses de Hong Kong e de Taiwan.
Dois dias depois, entretanto, voltou atrás. Disse que os chineses podem comprar companhias na Malásia, mas a nova lei não dispensa a autorização pessoal do primeiro-ministro.
Lou Young, descendente de chineses e membro do Partido Democrático da Malásia, acredita que as medidas não vão atrair o capital chinês. "Eles são muito cuidadosos e não caem em ciladas", afirmou.
Sem fronteira
Segundo o autor Sterlin Seagrave, que escreveu um livro analisando a situação dos chineses fora da China, a característica básica desses cidadãos sem fronteira é manter contas bancárias e pelo menos uma casa fora do território do país onde vivem.
Se estiverem ameaçados, atravessam rapidamente qualquer fronteira.
"Além disso, são discretos. Quanto menos aparecem, menos sofrem e mais trabalham", diz Seagrave.
Isso explica as roupas simples de Wanandi, que, no entanto, não conseguiu escapar da intolerância do governo que ele ajudou durante 15 anos.



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