São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007

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Aos 30, Mães da Praça de Maio divergem

Grupo fundado em 1977 para protestar por filhos desaparecidos na ditadura gerou três vertentes com visões políticas distintas

Relação com Kirchner e indenizações são principal divisor; ativistas são as mais temidas da Argentina

BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES

Todas são mães e experimentaram a pior dor que um ser humano pode ter. Seus filhos desapareceram e foram mortos, todos eles pela ditadura militar argentina (1976-83). Mas a dor comum que as uniu pela primeira vez há 30 anos para caminhar na praça de Maio, em Buenos Aires, é justamente a que as separa no mundo político. São diferentes jeitos de marchar e viver a mesma dor.
Quinta-feira, 15h30. Como fizeram pela primeira vez em 30 de abril de 1977, elas iniciam a caminhada de meia hora na praça, diante da Casa Rosada, lenços brancos na cabeça.
"Circulando, circulando", dizia a polícia, em 1977, para reprimir as manifestações. Elas começaram então a caminhar.
Dois grupos, porém, fazem a ronda em separado. No mesmo sentido, a metros de distância.
De um lado estão as da associação Mães da Praça de Maio, lideradas por Hebe de Bonafini, 79. Recusaram-se a aceitar as indenizações estatais, não exibem fotos dos filhos. Além disso, são contra exumações e dizem que o desaparecimento de pessoas é mais forte politicamente do que cada assassinato.
"É a socialização da maternidade. Cada uma é a mãe de todos. Lutamos por todos, sem personificar a dor", explica Hebe, mãe de dois desaparecidos. "Não queremos corpos. Nossos filhos são revolucionários, não morrerão nunca."
Do outro lado estão as Mães da Praça de Maio Linha Fundadora. Entre elas, cada mãe escolhe se busca o corpo do filho, se põe nomes bordados no lenço e fotos no pescoço. Também foi livre a opção pela indenização, e a maioria quis.
"O único tema comum que temos hoje é a praça", explica Nora Cortiñas, 77, da Linha Fundadora, mãe de Carlos Gustavo, desaparecido aos 24 anos em abril de 1977. "Cada um tinha um lugar na história. Lembrar cada um dá força à luta."
Donas-de-casa comuns, as Mães são as mais respeitadas -e temidas- ativistas de direitos humanos do país. Opinam sobre tudo: têm na ponta da língua críticas ao presidente dos EUA, George W. Bush, e elogios ao venezuelano Hugo Chávez.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para Hebe, "fez pacto com o diabo". Para Nora, "traiu seu povo" e já não merece mais ser chamado de "filho".

Kirchner
Em seu primeiro discurso como presidente da Argentina na Assembléia da ONU, Néstor Kirchner disse: "Todos somos filhos das Mães e Avós da Praça de Maio". Da Casa Rosada, ofereceu ajuda financeira aos dois grupos. Hebe aceita regularmente; as outras, não.
Mais polêmica do que qualquer outra, Hebe, que comemorou o 11 de Setembro e desejou que o papa João Paulo 2º "queime no inferno", é uma das mais ferozes aliadas do presidente. "Sempre telefono e ele me atende. Ele me consulta sobre vários temas."
Ela revela, porém, que não votará em Kirchner. "Não voto nunca. No título de eleitor, no lugar do carimbo de votação, tenho a foto de Che Guevara."
"Hebe acha que tem poder. Não tem. O que faz é servir a Kirchner para fazer propaganda em troca de dinheiro", diz Nora. "Nós valorizamos o presidente e não somos oposição. Mas falta vontade política para abrir os arquivos [da ditadura], para sabermos o que aconteceu com cada desaparecido."
Com bom relacionamento com o governo e com as mães da Linha Fundadora, mas também desafetos de Hebe de Bonafini, as Avós da Praça de Maio são uma terceira vertente, que também aceitou indenizações. Seus netos nasceram em centros de detenção clandestinos ou foram seqüestrados. Estimam que haja cerca de 400 crianças desaparecidas, algumas criadas por militares.
Até agora, as avós encontraram 87 netos, nove deles mortos. Com banco com material genético de todas as famílias, incentivam que jovens que têm dúvidas sobre sua origem façam exames gratuitos de DNA.


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