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Aos 30, Mães da Praça de Maio divergem
Grupo fundado em 1977 para protestar por filhos desaparecidos na ditadura gerou três vertentes com visões políticas distintas
Relação com Kirchner e indenizações são principal divisor; ativistas são as
mais temidas da Argentina
BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES
Todas são mães e experimentaram a pior dor que um ser humano pode ter. Seus filhos desapareceram e foram mortos,
todos eles pela ditadura militar
argentina (1976-83). Mas a dor
comum que as uniu pela primeira vez há 30 anos para caminhar na praça de Maio, em
Buenos Aires, é justamente a
que as separa no mundo político. São diferentes jeitos de
marchar e viver a mesma dor.
Quinta-feira, 15h30. Como
fizeram pela primeira vez em
30 de abril de 1977, elas iniciam
a caminhada de meia hora na
praça, diante da Casa Rosada,
lenços brancos na cabeça.
"Circulando, circulando", dizia a polícia, em 1977, para reprimir as manifestações. Elas
começaram então a caminhar.
Dois grupos, porém, fazem a
ronda em separado. No mesmo
sentido, a metros de distância.
De um lado estão as da associação Mães da Praça de Maio,
lideradas por Hebe de Bonafini,
79. Recusaram-se a aceitar as
indenizações estatais, não exibem fotos dos filhos. Além disso, são contra exumações e dizem que o desaparecimento de
pessoas é mais forte politicamente do que cada assassinato.
"É a socialização da maternidade. Cada uma é a mãe de todos. Lutamos por todos, sem
personificar a dor", explica Hebe, mãe de dois desaparecidos.
"Não queremos corpos. Nossos
filhos são revolucionários, não
morrerão nunca."
Do outro lado estão as Mães
da Praça de Maio Linha Fundadora. Entre elas, cada mãe escolhe se busca o corpo do filho,
se põe nomes bordados no lenço e fotos no pescoço. Também
foi livre a opção pela indenização, e a maioria quis.
"O único tema comum que
temos hoje é a praça", explica
Nora Cortiñas, 77, da Linha
Fundadora, mãe de Carlos Gustavo, desaparecido aos 24 anos
em abril de 1977. "Cada um tinha um lugar na história. Lembrar cada um dá força à luta."
Donas-de-casa comuns, as
Mães são as mais respeitadas
-e temidas- ativistas de direitos humanos do país. Opinam
sobre tudo: têm na ponta da língua críticas ao presidente dos
EUA, George W. Bush, e elogios
ao venezuelano Hugo Chávez.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para Hebe, "fez pacto com o diabo". Para Nora,
"traiu seu povo" e já não merece mais ser chamado de "filho".
Kirchner
Em seu primeiro discurso como presidente da Argentina na
Assembléia da ONU, Néstor
Kirchner disse: "Todos somos
filhos das Mães e Avós da Praça
de Maio". Da Casa Rosada, ofereceu ajuda financeira aos dois
grupos. Hebe aceita regularmente; as outras, não.
Mais polêmica do que qualquer outra, Hebe, que comemorou o 11 de Setembro e desejou que o papa João Paulo 2º
"queime no inferno", é uma das
mais ferozes aliadas do presidente. "Sempre telefono e ele
me atende. Ele me consulta sobre vários temas."
Ela revela, porém, que não
votará em Kirchner. "Não voto
nunca. No título de eleitor, no
lugar do carimbo de votação,
tenho a foto de Che Guevara."
"Hebe acha que tem poder.
Não tem. O que faz é servir a
Kirchner para fazer propaganda em troca de dinheiro", diz
Nora. "Nós valorizamos o presidente e não somos oposição.
Mas falta vontade política para
abrir os arquivos [da ditadura],
para sabermos o que aconteceu
com cada desaparecido."
Com bom relacionamento
com o governo e com as mães
da Linha Fundadora, mas também desafetos de Hebe de Bonafini, as Avós da Praça de
Maio são uma terceira vertente, que também aceitou indenizações. Seus netos nasceram
em centros de detenção clandestinos ou foram seqüestrados. Estimam que haja cerca de
400 crianças desaparecidas, algumas criadas por militares.
Até agora, as avós encontraram 87 netos, nove deles mortos. Com banco com material
genético de todas as famílias,
incentivam que jovens que têm
dúvidas sobre sua origem façam exames gratuitos de DNA.
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