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"Nunca venceremos guerra ao terror"
Para analista, erros do governo Bush começaram já na declaração de guerra e prejudicaram contenção da ameaça
Ignorância sobre adversário, recusa a aprender com experiência alheia e abuso de estereótipos ampliaram apoio e bases terroristas
LUCIANA COELHO
EDITORA-ADJUNTA DE MUNDO
Bombas de um lado, radicalismo de outro; a imagem dos
EUA num fosso e uma avalanche de estereótipos impregnada na cabeça do público. É mais
ou menos assim que analistas,
políticos e estudiosos vêm medindo os resultados da tal
"guerra contra o terror" declarada por George W. Bush após o
11 de Setembro.
"Temos servido como a agência de recrutamento mais efetiva para grupos terroristas", diz
a professora e pesquisadora de
Harvard Louise Richardson,
especialista no assunto muito
antes de "Al Qaeda" entrar para
o léxico americano.
A começar pela nomenclatura, a autora de "What Terrorists
Want: Understanding the
Enemy, Containing the
Threat" (O que os terroristas
querem: entendendo o inimigo
e contendo a ameaça, de 2006)
elenca um sem-número de erros cometidos pelo governo
Bush em cinco anos e meio de
"guerra". Um dos maiores, frisa, é não aprender nem com a
experiência alheia nem com a
própria. A seguir, trechos da
entrevista que Richardson concedeu, por telefone, à Folha.
FOLHA - Em que medida a retórica
do governo Bush, de "guerra ao terror", ajudou a solapar estratégias?
LOUISE RICHARDSON - Quando a
história desse período for escrita, essa declaração de guerra
contra o terrorismo vai parecer
um erro terrível, pois não há
"guerra" nem a noção de vitória
e derrota. Nós não saberíamos
reconhecer uma vitória mesmo
que algum dia a conquistemos.
E, sinceramente, não acho que
algum dia conquistaremos essa
vitória, pois declarar guerra
contra eles já é ceder, elevá-los
a um status com o qual eles só
poderiam sonhar e permitimos
que ditem as regras do conflito.
Terrorismo é só uma tática.
FOLHA - A sra. cita casos bem-sucedidos, que acabaram em deposição
de armas, mas se tratavam de negociações domésticas. Tratar com uma
Al Qaeda não é mais complexo?
RICHARDSON - Nossa política foi
prejudicada pela sensação de
peculiaridade dessa ameaça
que sofremos e, logo, da falta de
necessidade de aprender com
outras experiências. Há diferenças, mas também há o que
aprender com outros países.
A primeira lição é que o terrorismo é uma ameaça política,
não militar. E os militares são
muito toscos em termos de instrumentos para que se dependa
apenas deles. Em segundo, há a
importância de separar o perpetrador da violência da comunidade em que ele opera e da
qual muitas vezes obtém apoio
-esta é uma das principais lições de contrainsurgência na
Irlanda do Norte. E faz total
sentido no Oriente Médio. É
importante que não persigamos os moderados, que não digamos que estamos em guerra
com o islã. E, mais do que tudo
isso, precisamos entender a natureza do adversário.
FOLHA - As políticas deste governo
estão contribuindo para o recrutamento por grupos terroristas?
RICHARDSON - Sem dúvida. Temos servido como a agência de
recrutamento mais efetiva para
grupos terroristas.
FOLHA - Qual o poder da Al Qaeda?
RICHARDSON - Creio que sejam
muito poderosos, mas que seja
mais um poder ideológico em
vez de uma organização centralizada. Ainda assim, eu não minimizaria a influência da liderança central. Eles podem não
ter um grande papel operacional, mas têm papel inspirador.
E conseguem se adaptar muito
bem com esse tipo de organização contato a contato [em que
não se conhece todos os membros]. Com novas tecnologias,
como a internet, que permite
recrutamento, propaganda,
instrução, ficou mais viável
operar assim.
FOLHA - A Al Qaeda é mais pragmática do que o governo Bush?
RICHARDSON - (Risos) Seria
comparar maçãs com laranjas,
mas eles têm sido bastante
pragmáticos em explorar chagas locais para ampliar seu
apoio. Se você vir os primeiros
comunicados [da Al Qaeda],
eles nem se importavam com a
questão palestina, mas, com a
popularidade que o tema ganhou nos últimos anos, eles o
abraçaram para obter apoio.
FOLHA - Qual erro do governo Bush
mais levou à perda de apoio?
RICHARDSON - Cometemos dois
grandes erros e perdemos duas
oportunidades. O primeiro erro foi declarar guerra contra o
terror, e o segundo, confundir
as imagens de Saddam Hussein
e Osama bin Laden. Nós nunca
deveríamos ter posto Saddam
na questão da guerra contra o
terror. E as oportunidades perdidas foram as de mobilizar a
comunidade internacional a
nosso favor e a de ensinar à
americana a realidade do terrorismo e as implicações de ser
uma superpotência.
FOLHA - A Guerra do Iraque ajuda
os terroristas a ampliarem sua base?
RICHARDSON - Enormemente,
pois eles podem dizer que lutam contra um Exército de ocupação no Oriente Médio e alegar que nós não estamos lá para
defender a democracia, mas para garanti nosso petróleo.
FOLHA - Qual sua expectativa para
os dois anos finais do governo Bush?
RICHARDSON - Não há indício de
que este governo aprenda com
erros cometidos, o que é perturbador. Acho que haverá uma
tremenda pressão dentro do
próprio Partido Republicano
[do governo], preocupado com
seu prognóstico na próxima
eleição, e dos militares, que afinal são quem paga o preço.
FOLHA - O público americano pode
deixar de levar a questão a sério,
com a banalização de alertas de
ameaças pelo governo e pela mídia?
RICHARDSON - Os americanos
gostam de sucesso, e quando
assistimos todas as noites ao
noticiários e nos deparamos
com a complexidade dos nossos erros no Iraque, há uma
tendência entre as pessoas que
não têm interesse pessoal nos
fatos de se alienarem da cobertura. Isso já está ocorrendo.
NA INTERNET - Leia a íntegra da entrevista
www.folha.com.br/071181
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