São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007

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"Nunca venceremos guerra ao terror"

Para analista, erros do governo Bush começaram já na declaração de guerra e prejudicaram contenção da ameaça

Ignorância sobre adversário, recusa a aprender com experiência alheia e abuso de estereótipos ampliaram apoio e bases terroristas

LUCIANA COELHO
EDITORA-ADJUNTA DE MUNDO

Bombas de um lado, radicalismo de outro; a imagem dos EUA num fosso e uma avalanche de estereótipos impregnada na cabeça do público. É mais ou menos assim que analistas, políticos e estudiosos vêm medindo os resultados da tal "guerra contra o terror" declarada por George W. Bush após o 11 de Setembro.
"Temos servido como a agência de recrutamento mais efetiva para grupos terroristas", diz a professora e pesquisadora de Harvard Louise Richardson, especialista no assunto muito antes de "Al Qaeda" entrar para o léxico americano.
A começar pela nomenclatura, a autora de "What Terrorists Want: Understanding the Enemy, Containing the Threat" (O que os terroristas querem: entendendo o inimigo e contendo a ameaça, de 2006) elenca um sem-número de erros cometidos pelo governo Bush em cinco anos e meio de "guerra". Um dos maiores, frisa, é não aprender nem com a experiência alheia nem com a própria. A seguir, trechos da entrevista que Richardson concedeu, por telefone, à Folha.  

FOLHA - Em que medida a retórica do governo Bush, de "guerra ao terror", ajudou a solapar estratégias?
LOUISE RICHARDSON
- Quando a história desse período for escrita, essa declaração de guerra contra o terrorismo vai parecer um erro terrível, pois não há "guerra" nem a noção de vitória e derrota. Nós não saberíamos reconhecer uma vitória mesmo que algum dia a conquistemos. E, sinceramente, não acho que algum dia conquistaremos essa vitória, pois declarar guerra contra eles já é ceder, elevá-los a um status com o qual eles só poderiam sonhar e permitimos que ditem as regras do conflito. Terrorismo é só uma tática.

FOLHA - A sra. cita casos bem-sucedidos, que acabaram em deposição de armas, mas se tratavam de negociações domésticas. Tratar com uma Al Qaeda não é mais complexo?
RICHARDSON
- Nossa política foi prejudicada pela sensação de peculiaridade dessa ameaça que sofremos e, logo, da falta de necessidade de aprender com outras experiências. Há diferenças, mas também há o que aprender com outros países. A primeira lição é que o terrorismo é uma ameaça política, não militar. E os militares são muito toscos em termos de instrumentos para que se dependa apenas deles. Em segundo, há a importância de separar o perpetrador da violência da comunidade em que ele opera e da qual muitas vezes obtém apoio -esta é uma das principais lições de contrainsurgência na Irlanda do Norte. E faz total sentido no Oriente Médio. É importante que não persigamos os moderados, que não digamos que estamos em guerra com o islã. E, mais do que tudo isso, precisamos entender a natureza do adversário.

FOLHA - As políticas deste governo estão contribuindo para o recrutamento por grupos terroristas?
RICHARDSON
- Sem dúvida. Temos servido como a agência de recrutamento mais efetiva para grupos terroristas.

FOLHA - Qual o poder da Al Qaeda?
RICHARDSON
- Creio que sejam muito poderosos, mas que seja mais um poder ideológico em vez de uma organização centralizada. Ainda assim, eu não minimizaria a influência da liderança central. Eles podem não ter um grande papel operacional, mas têm papel inspirador. E conseguem se adaptar muito bem com esse tipo de organização contato a contato [em que não se conhece todos os membros]. Com novas tecnologias, como a internet, que permite recrutamento, propaganda, instrução, ficou mais viável operar assim.

FOLHA - A Al Qaeda é mais pragmática do que o governo Bush?
RICHARDSON
- (Risos) Seria comparar maçãs com laranjas, mas eles têm sido bastante pragmáticos em explorar chagas locais para ampliar seu apoio. Se você vir os primeiros comunicados [da Al Qaeda], eles nem se importavam com a questão palestina, mas, com a popularidade que o tema ganhou nos últimos anos, eles o abraçaram para obter apoio.

FOLHA - Qual erro do governo Bush mais levou à perda de apoio?
RICHARDSON
- Cometemos dois grandes erros e perdemos duas oportunidades. O primeiro erro foi declarar guerra contra o terror, e o segundo, confundir as imagens de Saddam Hussein e Osama bin Laden. Nós nunca deveríamos ter posto Saddam na questão da guerra contra o terror. E as oportunidades perdidas foram as de mobilizar a comunidade internacional a nosso favor e a de ensinar à americana a realidade do terrorismo e as implicações de ser uma superpotência.

FOLHA - A Guerra do Iraque ajuda os terroristas a ampliarem sua base?
RICHARDSON
- Enormemente, pois eles podem dizer que lutam contra um Exército de ocupação no Oriente Médio e alegar que nós não estamos lá para defender a democracia, mas para garanti nosso petróleo.

FOLHA - Qual sua expectativa para os dois anos finais do governo Bush?
RICHARDSON
- Não há indício de que este governo aprenda com erros cometidos, o que é perturbador. Acho que haverá uma tremenda pressão dentro do próprio Partido Republicano [do governo], preocupado com seu prognóstico na próxima eleição, e dos militares, que afinal são quem paga o preço.

FOLHA - O público americano pode deixar de levar a questão a sério, com a banalização de alertas de ameaças pelo governo e pela mídia?
RICHARDSON
- Os americanos gostam de sucesso, e quando assistimos todas as noites ao noticiários e nos deparamos com a complexidade dos nossos erros no Iraque, há uma tendência entre as pessoas que não têm interesse pessoal nos fatos de se alienarem da cobertura. Isso já está ocorrendo.

NA INTERNET - Leia a íntegra da entrevista www.folha.com.br/071181


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