São Paulo, segunda-feira, 29 de julho de 2002

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RELIGIÃO

Em seu primeiro comentário público, João Paulo 2º diz que casos de pedofilia envolvendo padres causam "tristeza e vergonha"

Papa pede apoio de jovens a igreja em crise

Associated Press
Papa João Paulo 2° consagra hóstia durante missa realizada para cerca de 800 mil nas Jornadas Mundiais da Juventude, em Toronto


DA REDAÇÃO

Em homilia realizada ontem no Canadá, o papa João Paulo 2º disse que os escândalos de abuso sexual que atingem a Igreja Católica causaram "tristeza e vergonha", mas pediu aos jovens católicos que apóiem a maioria dos padres que faz o bem e não permitam que ações de poucos abalem sua devoção e os afastem da religião.
Os comentários, feitos durante a missa campal das Jornadas Mundiais da Juventude em Toronto diante de cerca de 800 mil pessoas, foram os primeiros feitos em público desde que, em janeiro deste ano, ganhou força uma onda de denúncias de abuso sexual na igreja nos EUA.
"O mal feito por alguns padres e religiosos aos jovens e vulneráveis nos enche de um profundo sentimento de tristeza e vergonha", disse o pontífice. Mas, segundo João Paulo 2º, a maioria dos representantes da igreja são pessoas "cujo único desejo é servir e fazer o bem". "Fiquem perto deles e os apóiem", pediu.
O escândalo começou na arquidiocese de Boston (costa leste dos EUA), quando o cardeal Bernard Law admitiu ter permitido que um padre sob sua responsabilidade continuasse trabalhando com jovens embora houvesse sido acusado de pedofilia.
A revelação desencadeou denúncias contra supostos padres pedófilos nos EUA, e a igreja está sendo alvo de pedidos de milhões de dólares em indenizações apresentados à Justiça por supostas vítimas. No início deste mês, dois padres de Nova Jersey foram presos sob acusação de terem solicitado sexo de menores.
O escândalo se espalhou, atingiu outros países, como Canadá, Alemanha, França, México, Polônia e Brasil, e já é um dos maiores problemas enfrentados pelo papa no final de seu pontificado.
Até ontem, as únicas declarações de João Paulo 2º sobre o assunto haviam sido feitas em carta enviada a padres antes da Páscoa e em um discurso para cardeais dos EUA convocados para uma reunião no Vaticano, em abril.
Durante as atividades das Jornadas da Juventude que precederam a missa de ontem, participantes haviam dito que esperavam que o papa se referisse à questão durante seu encontro com os jovens, já que eles eram diretamente atingidos pelo escândalo e necessitavam de uma resposta às suas inquietações.
"Acho que foi bom ele ter mencionado isso", disse Janelle Morin, 16, durante a comunhão. "O papa fez tudo que podia sobre a questão. Tenho fé na igreja."
Advogados das vítimas, entretanto, reclamaram que os comentários do papa revelaram uma postura de maior solidariedade com os padres do que com os católicos que foram molestados.
David Clohessy, diretor nacional dos EUA de uma ONG que reúne vítimas de abusos de padres, disse que "algumas palavras de desculpas de alguém como ele talvez ajudassem centenas de pessoas a se sentirem um pouco curadas". Para ele, os comentários pareceram focalizar mais no sofrimento dos padres. "Não houve uma palavra para as vítimas."
Janet Patterson, do Kansas, disse que o papa deveria ter encorajado os jovens a apoiar as vítimas. Ela atribui o suicídio de seu filho de 29 anos, em 1999, a abusos cometidos por um padre quando ele tinha 12 anos. "Gostaria de ver mais atenção dada a vítimas que estão sofrendo", disse.
De sua casa em Newton, subúrbio de Boston, Paula Ford disse que o papa perdeu uma oportunidade única de dar orientação a jovens católicos. Seu filho, Gregory, está entre os que abriram processo contra o reverendo Paul Shanley, 71, uma das figuras centrais da crise nos EUA, acusado de molestar meninos entre 1979 e 1989. "Eu esperava uma declaração mais firme de compromisso de que isso nunca mais acontecerá."
Apesar da chuva e da espera, o público da missa, realizada em um antigo campo de aviação, saudou com entusiasmo a chegada do papamóvel. A maioria passou a noite e amanheceu molhada por causa de uma tempestade. Uma chuva constante atrasou em 20 minutos a chegada do papa, mas o tempo melhorou depois.
Durante vigília na noite de sábado, o papa disse que o novo milênio começou com dois cenários contrastantes: os peregrinos em Roma durante o Jubileu e o ataque terrorista nos EUA. Pediu aos jovens que sejam os construtores de uma "civilização do amor". Mais de 200 mil jovens de 170 países se inscreveram para as Jornadas. O papa viaja hoje para a Guatemala e depois para o México, para cerimônias de canonização.

Com agências internacionais


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