São Paulo, sexta-feira, 29 de julho de 2005

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TERROR EM LONDRES

Visto de mineiro morto pela polícia expirou há 2 anos e carimbo de permanência era falso, informam britânicos

Situação de Jean era ilegal, diz Reino Unido

Paul Hackett/Reuters
"Estou agindo de modo suspeito? Ligue para 0800 ATIRE-PARA-MATAR", diz cartaz de ativista que protesta, no centro de Londres


ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

GABRIELA BOEING
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LONDRES

O brasileiro Jean Charles de Menezes, 27, morto por engano pela polícia britânica no último dia 22, com sete tiros na cabeça e um no ombro, estava vivendo e trabalhando ilegalmente no Reino Unido desde junho de 2003. O eletricista possuía um visto falso de residência indefinida no país carimbado em seu passaporte.
A informação foi divulgada ontem pelo Ministério do Interior britânico, que afirmou não pretender, com isso, "influenciar a investigação independente sobre as circunstâncias" da morte de Jean e contraria o que havia sido dito há três dias pelo próprio ministro de Relações Exteriores do Reino Unido, Jack Straw.
"Vimos a cópia do passaporte do sr. De Menezes contendo um carimbo aparentemente dando a ele permanência para estar de forma indefinida no Reino Unido. Quando investigada, [descobriu-se que] essa estampa não era a usada pelo Diretório de Imigração e Nacionalidade na data determinada", afirma a nota do governo britânico.
De acordo com a advogada Vitoria Nabas, especialista em imigração que atua em Londres, ter passaporte ou visto falso é uma penalidade criminal no Reino Unido. Isso significa que, se Jean fosse pego pela polícia com o carimbo inválido em seu passaporte, possivelmente seria preso e não seria apenas removido pela polícia -que é o que ocorre com quem é apanhado com visto vencido, por exemplo.

Turista e estudante
Segundo comunicado distribuído à imprensa pelo Ministério do Interior, Jean (que trabalhava como eletricista e ajudante de cozinha de um restaurante) chegou a estar legalmente em Londres. Havia entrado no país em 13 de março de 2002, como turista, e ganhado um carimbo que lhe permitia estar no Reino Unido por seis meses sem direito de trabalhar.
Posteriormente, o eletricista solicitou ao governo britânico um visto de estudante -que lhe permitiria trabalhar até 20 horas semanais. Essa autorização foi concedida ao brasileiro em 31 de outubro de 2002, mas expirou em junho de 2003. Desde então, o ministério não recebeu nenhum outro pedido de visto ou correspondência de Jean.
Mas, ao examinar o passaporte do eletricista -depois de ele ter sido morto pela polícia-, as autoridades do Reino Unido dizem ter descoberto que Jean estava usando um visto de permanência indefinida inválido, sem entrar em detalhes sobre que tipo de carimbo estava no passaporte.
A informação sobre a ilegalidade do brasileiro termina com dias de rumores sobre o tema. A própria nota do Ministério do Interior diz que o órgão decidiu "esclarecer" o assunto por conta de especulações correntes. Afirma ainda que, ao dizer que Jean vivia ilegalmente no país, "não pretende, de forma nenhuma", fazer um julgamento preconceituoso dele.
A família e os amigos do eletricista afirmaram que o brasileiro vivia legalmente no país. Os primos de Jean que moram em Londres diziam que ele possuía residência de cinco anos no Reino Unido. Amigos de Jean contam que ele comentava que tinha visto e estava feliz por poder entrar e sair do país sem correr riscos.

Hipóteses
Em Gonzaga, o irmão de Jean reiterou sua versão: "Meu irmão sempre disse que estava lá legalizado, que tinha um visto e que podia entrar e sair do país por dois anos", disse Giovani de Menezes.
Informado sobre a nota do governo britânico, Giovani completou: "Nunca soube disso, de o visto estar vencido. Mas, mesmo que estivesse, não justifica de forma alguma o que a polícia fez."
Ainda em Londres, os primos do eletricista afirmaram que, após passar sete meses no Brasil e voltar em abril passado para a capital britânica, o brasileiro esteve primeiro em Paris, depois teria vindo de lá para Dublin e seguido de barco para Londres. A partir da descrição desse roteiro, começaram a circular rumores de que Jean estaria ilegalmente no país.
Na última terça, Straw disse que "entendia que Jean estava vivendo legalmente no país". O chanceler brasileiro, Celso Amorim, que participava da mesma entrevista coletiva, confirmou a versão, dizendo que o Consulado do Brasil em Londres recebera informação do governo britânico de que Jean tinha visto válido. A Polícia Metropolitana de Londres teria dito isso a autoridades brasileiras.
Se acabam os boatos sobre o status imigratório de Jean, tendem a aumentar as especulações sobre sua morte. Uma das questões ainda não esclarecidas é se o eletricista teria sido advertido pelos policiais e corrido dos agentes ou não.

Colaborou Luciana Coelho

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