São Paulo, sábado, 29 de julho de 2006

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Desafio é gestão ortodoxa com face social

HAL WEITZMAN
DO "FINANCIAL TIMES", EM LIMA

Quando o arcebispo de Lima, cardeal Juan Luis Cipriani, repreendeu publicamente a administração peruana em final de mandato, na semana passada, ele ecoou um tema que há tempos é objeto de comentários políticos na capital peruana.
Cipriani atacou o governo de Alejandro Toledo por passar suas derradeiras semanas no poder promovendo festas lautas, brindando suas conquistas econômicas e entregando medalhas de honra a seus funcionários. O Peru melhorou, disse o clérigo, "mas não podemos afirmar que esteja muito melhor do que antes, em vista das disparidades sociais abismais ainda presentes".
Alguns meses atrás, Toledo temia que seu legado econômico pudesse ser desperdiçado pelo candidato nacionalista Ollanta Humala, que prometia nacionalizar setores estratégicos e elevar os impostos sobre os investimentos externos. Em lugar disso, Alan García toma posse agora dando todos os indicativos de que vai garantir a permanência das conquistas econômicas da era Toledo.
García -que, quando ocupou a Presidência pela primeira vez, entre 1985 e 1990, reduziu os pagamentos da dívida externa e desencadeou uma crise econômica aguda- foi eleito com base numa plataforma de "mudança responsável", mas parece cada vez mais provável que seu governo seja marcado pela continuidade em relação ao regime anterior.
Sob a Presidência de Toledo, o Peru desfrutou avanços econômicos inegáveis: o PIB cresceu 6,7% em 2005, a inflação está baixa, a moeda peruana se encontra estável, e o governo pode ter um pequeno superávit neste ano.
Mas García e outros já chamaram a atenção para o fato de que os benefícios dessa riqueza não foram largamente distribuídos. De modo geral, o subemprego é grande, os indicadores sociais não tiveram melhoras substanciais, e a maioria dos peruanos vive com menos de US$ 2 por dia.
A pobreza persistente -especialmente nas regiões montanhosas, onde comunidades que praticam a agricultura de subsistência vivem em condições pré-industriais que desmentem o progresso macroeconômico do país- está por trás da frustração, da revolta com as elites políticas e econômicas e do desejo por reformas fundamentais no modo de operação do Estado.
Na formação de seu gabinete, porém, García optou mais pela meta pessoal de mostrar que, desta vez, fará jus ao crédito depositado nele com sua eleição. Montou uma equipe sólida, sensata e competente, apontando para a probabilidade de a "responsabilidade" ter prioridade sobre as "mudanças". Isso ficou claro quando García escolheu Luis Carranza, um banqueiro fiscalmente ortodoxo, para chefiar o Ministério da Fazenda.
A questão agora é se essa prudência vai proporcionar a García um espaço de manobra suficiente para garantir alguma melhora palpável na vida cotidiana da maioria da população peruana.


Tradução de CLARA ALLAIN

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