São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

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TEMPOS MODERNOS

Para especialistas americanos, e-mail permite a adolescentes humilhar colegas em níveis nunca vistos

Internet amplia crueldade entre teens

AMY HARMON
DO "NEW YORK TIMES"

A briga começou na escola, quando algumas garotas da 8ª série roubaram um estojo de maquiagem pertencente a uma colega nova na classe, Amanda Marcuson, que as delatou à direção. Mas as coisas não ficaram nisso. Assim que Amanda chegou em casa, as mensagens instantâneas começaram a pipocar na tela de seu computador. Diziam que ela era dedo-duro e mentirosa. Abalada, ela digitou de volta: "Vocês roubaram minhas coisas!". "Você é uma filha da p... metida a besta", veio a resposta imediata na tela, seguida por uma série de insultos cada vez piores.
Naquela noite a mãe de Amanda tirou a garota de frente do computador para levá-la a uma partida de basquete com o resto da família. Mas a enxurrada de xingamentos eletrônicos não parou. Como muitos outros adolescentes, Amanda faz com que as mensagens que recebe na internet sejam encaminhadas diretamente para seu telefone celular. Até o final da partida, ela recebera 50 delas -o limite do aparelho.
"Parece que as pessoas têm coragem de dizer coisas muito piores on-line do que quando estão falando com uma pessoa frente a frente", comentou Amanda, que tem 14 anos, vive em Birmingham, Michigan, e tinha sido transferida para o colégio novo no ano passado. Ela contou que as outras meninas nunca lhe disseram nada pessoalmente.
O episódio reflete uma das muitas maneiras em que a tecnologia, ao facilitar a vida social dos adolescentes, também está ampliando a crueldade que é comum nessa idade. Não mais limitados a agir no âmbito dos colégios e no horário diurno, os "ciberbrigões" hoje perseguem suas presas até dentro dos quartos delas. Ferramentas como o e-mail e os blogs fazem com que o assédio seja menos perceptível pelos adultos e mais humilhante publicamente, na medida em que fofocas, gozações e fotos constrangedoras circulam entre um público grande.
A tecnologia que permite a seus usuários provocar mágoa sem que sejam obrigados a assistir a seus efeitos também parece incitá-los a um nível maior de maldade. Psicólogos afirmam que a distância entre perseguidor e vítima na internet está conduzindo a um grau inusitado -e, com freqüência, não-intencional- de brutalidade, especialmente quando se soma ao pouco controle sobre seus impulsos que caracteriza a maioria dos adolescentes e a sua empatia pouco desenvolvida.
"Sempre falamos da importância de proteger as crianças na internet contra adultos e pessoas mal intencionadas", comentou Perry Aftab, diretor executivo da ONG WiredSafety.org, que vem recebendo cada vez mais ligações de pais e administradores escolares preocupados com o assédio de alunos agressivos. "A gente esquece que, às vezes, é preciso proteger crianças de outras crianças."
O assédio on-line já virou uma parte do dia-a-dia de muitos adolescentes. Mas as escolas, que tendem a focar sobretudo os problemas que surgem dentro de seu espaço, e os pais, que costumam supor que seus filhos sabem mais do que eles sobre informática, não vêm dando a devida atenção ao problema. Apenas recentemente é que ele vem se tornando tão onipresente que até os adultos começaram a prestar atenção.

"Gorda"
Como muitos outros orientadores educacionais, Susan Yuratovac, psicóloga da Hilltop Elementary School, em Beachwood, Ohio, trabalha há anos com várias manifestações de agressão adolescente, incluindo o assédio sexual e a agressão física de alunos menores por outros maiores ou mais fortes. Yuratovac contou que, neste ano, está desenvolvendo um currículo que vai abranger o assédio eletrônico.
"Tenho alunos que chegam à escola todos os dias chateados com o que aconteceu na internet na noite anterior", ela afirmou. "Dizem coisas como "estávamos on-line ontem à noite e alguém falou que sou gorda", ou "perguntaram por que eu uso o mesmo jeans todo dia", ou ainda "disseram que minhas roupas vieram do Wal-Mart"."
Há pouco tempo, Yuratovac interveio quando uma menina de 12 anos lhe mostrou uma troca de torpedos em que um garoto de sua classe escreveu: "Meu irmão disse que você tem seios ótimos".
Segundo os orientadores, os garotos fazem comentários sexuais muito mais explícitos on-line do que off-line. "Não acho que a menina tenha medo de ser abordada pelo garoto, mas acho que ela está constrangida", disse Yuratovac. "Eles sabem que é uma maldade, que é arriscado, que não é legal. Esse é o tipo de coisa que as pessoas carregam consigo por anos."
As novas armas no arsenal de crueldade social dos adolescentes incluem roubar os apelidos eletrônicos e enviar mensagens provocantes a amigos ou à pessoa por quem a vítima é apaixonada, encaminhar materiais particulares a terceiros e divulgar anonimamente comentários criticando colegas nos blogs.
"Todo mundo odeia você", dizia um comentário anônimo dirigido a uma menina num blog de estudantes da Maret School, em Washington. "Eles falavam, por exemplo, sobre uma garota que tinha problema de espinha, chamando-a de espinhenta e coisas do tipo, que realmente machucam", comentou uma estudante da escola. "Isso me afetou porque eu também tenho espinha."
Rosalind Wiseman, cujo livro "Queen Bees and Wannabes" inspirou o filme "Meninas Malvadas", disse que as ofensas on-line atraem especialmente as meninas, que se especializam em agressão emocional, em lugar de física, e procuram evitar confrontos diretos. Mas os garotos também as praticam, com freqüência usando métodos modernos para trair a confiança de meninas.
Por exemplo, na primavera passada, quando uma garota da 8ª série da escola Horace Mann, em Riverdale, no Bronx, enviou a um colega de classe por quem nutria uma paixão um vídeo digital dela mesma se masturbando, o vídeo em pouco tempo apareceu na rede de troca de arquivos usada pelos adolescentes para trocar músicas. Centenas de alunos de escolas particulares de Nova York assistirem ao vídeo, no qual o rosto da garota era claramente visível, e ele ficou disponível para um público mundial de milhões de pessoas.
Os estudantes se conectavam à rede na escola, enquanto a menina estava tendo aula, e assistiam ao vídeo, disse um aluno de outro colégio que não se identificou.
Não foi um incidente isolado. Em junho, um vídeo que mostrava duas calouras da escola Scarsdale High num encontro sexual, aparentemente seguindo as orientações de meninos que estavam ao fundo, motivou uma investigação da Promotoria do condado de Westchester, depois de um pai ter informado que os alunos estavam enviando o vídeo uns aos outros por e-mail.
Uma foto de uma menina de 15 anos de Wycoff, Nova Jersey, nua, tirada com câmera celular, ainda está circulando na rede, depois que a garota a enviou por e-mail a seu namorado e este a encaminhou a seus amigos, contaram outros estudantes.
São comuns as listas on-line em que as meninas das escolas são classificadas como "mais gostosas", "mais feias" ou "mais sem graça". Uma dessas listas que surgiu há alguns anos na escola Horace Greeley, em Chappaqua, Nova York, continha os nomes, telefones e supostas façanhas sexuais de dezenas de meninas.
Mas as meninas não são as únicas vítimas de fofocas alimentadas pela internet. Uma aluna da 7ª série da escola Nightingale-Bamford, em Manhattan, contou que recentemente viu um vídeo on-line feito por um garoto em que ele canta uma canção para a menina de que gostava. Ela colocou o vídeo na internet. "Tenho muito dó desse cara", disse ela.
Psicólogos dizem que os adolescentes estão se deixando confundir pela mesma qualidade da internet que já levou muitos adultos a, num impulso, enviar mensagens de e-mail das quais, mais tarde, se arrependeram. O fato de que basta pressionar "enviar" e ver a mensagem desaparecer faz com que ela pareça menos real.
"Não é a mesma coisa que tirar uma foto indiscreta da namorada e mostrar a foto para todo o mundo na escola, você, ali, segurando a foto na mão", explicou a psicóloga Sherry Turkle, do Massachusetts Institute of Technology, autora de "Life on the Screen" (vida na tela). "Existe algo nesse meio de comunicação que exerce um efeito embrutecedor."
Mas um número crescente de adolescentes está aprendendo, por sofrimento próprio, que palavras enviadas ao ciberespaço podem exercer conseqüências mais graves do que uma conversa telefônica ou uma confidência cochichada ao ouvido. Por mais efêmeras que sejam, as mensagens instantâneas formam um registro escrito que freqüentemente é usado como arma poderosa para a traição e o tormento de adolescentes.
Os pais de alunos da escola Gillispie, em San Diego, tiveram uma prova disso quando as ameaças on-line trocadas entre seus filhos e os alunos de outro colégio viraram uma agressão mais "tradicional".
Cerca de 30 alunos da escola Muirlands apareceram na Gillispie certa tarde, carregando skates na cabeça e gritando o apelido de um dos garotos com quem conversavam on-line. Kim Penney, mãe de um dos alunos da Gillispie, contou que, depois disso, ela tirou o cabo de conexão à internet do computador que fica no quarto de seu filho e, desde então, só o deixa manter conversas on-line em lugares onde ela possa acompanhá-las. "Foi assustador assistir à manifestação física dos efeitos dessas mensagens instantâneas", contou Penney. "Nunca imaginei que fosse algo tão sério."


Tradução de Clara Allain


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