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Oposição pára e Morales avança com Carta
Governadores, comércio e empresas de departamentos (Estados) que abrigam 59% da população da Bolívia aderem à paralisação
No Congresso, governistas aprovam medida que permite que Constituinte prossiga votações fora de Sucre, cidade oposicionista
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A SANTA CRUZ DE LA
SIERRA (BOLÍVIA)
Os governos, o comércio e as
principais empresas de seis departamentos (Estados) da Bolívia pararam ontem contra o
presidente Evo Morales.
A greve ocorreu em meio ao
agravamento da crise política
no país, causado pela aprovação pelo Congresso, de madrugada, de medida que permite à
Assembléia Constituinte deliberar em qualquer ponto do
país. A medida visa driblar a resistência da cidade de Sucre, sede da Constituinte, à nova Carta proposta pelos governistas.
Liderados por Santa Cruz,
departamento responsável por
35% do PIB boliviano, por Tarija, principal centro da produção de gás, e Cochambaba, dona
da terceira maior cidade da Bolívia, também fizeram greve os
mais pobres Chuquisaca, Pando e Beni (em todos juntos, vive
59% da população boliviana).
Foi a terceira greve "cívica"
do ano, convocada pelos dirigentes da oposição conservadora nas regiões e pelos Comitês Cívicos, entidades que reúnem a elite econômica dos departamentos do leste.
Ao menos dez pessoas ficaram feridas em confrontos com
manifestantes pró-governo, segundo a agência France Presse.
Os maiores confrontos foram
em Cochabamba.
Ruas desertas
As ruas do centro de Santa
Cruz, capital do departamento
de mesmo nome, respondendo
a uma espécie de toque de recolher, estavam praticamente desertas. Nem pequenos comércios funcionaram. A população
foi orientada a não sair de casa.
Pedras e faixas impediam o tráfego na cidade, de 1,5 milhão de
habitantes.
"Só 28 dos 64 táxis do aeroporto receberam um selo para
circular. Quem desobedece
tem os vidros quebrados", disse
um taxista que não quis dar o
nome, citando as milícias da
União Juvenil Cruzenhista. "A
greve é ruim para a gente. Não
estou a favor do governo, mas
está difícil trabalhar no país."
"É uma demonstração de força do povo boliviano contra essa Constituição imposta pelo
governo. Dois terços do país
concordam. O povo foi fraudado. Não vamos declarar autonomia de fato. É de direito",
afirmou um dos líderes da greve, o constituinte Javier Limpias (Podemos), no centro promotor da paralisação, o Comitê
Cívico de Santa Cruz.
Comitê Cívico
Além de repudiar a violência
no fim de semana na cidade de
Sucre e desconhecer o projeto
de nova Constituição aprovado
pelos governistas, os departamentos querem autonomia em
relação a La Paz. Os governos
departamentais afirmaram que
convocarão um referendo para
que a população ratifique o modelo de descentralização que
defendem -a base é um documento, a "Carta de Autonomia", ainda em preparação.
Na sede do Comitê Cívico, estavam ontem os principais representantes do empresariado
e do agronegócio de Santa Cruz
e da Bolívia. "Tirando o gás da
conta, somos responsáveis por
50% das exportações do país.
Como em todo regime autoritário, o governo quer derrubar
o setor produtivo para substituí-lo pelas mãos do Estado",
afirmou Oswaldo Karbaum, gerente-geral da Câmara de Exportadores local. Ele avaliou
que o departamento perdeu
US$ 10 milhões com a greve.
Enquanto o governo diz que
as regiões ricas travam "uma
guerra econômica" para derrubar o governo -a greve isolou,
por via terrestre, a capital La
Paz-, os empresários de Santa
Cruz dizem que estão sendo
perseguidos por Morales. Em
Santa Cruz, reclamam de decreto do governo que proibiu a
exportação de óleo de soja e dizem que o Executivo tem importado menos diesel do que o
necessário para a colheita.
Periferia não adere
Santa Cruz, bastião oposicionista, é o símbolo do relativamente rico oriente boliviano.
Com 2,5 milhões de habitantes,
é o departamento mais populoso da Bolívia e tem a menor população de origem declaradamente indígena do país -38%
contra 62% no geral.
Nos bairros pobres da periferia de Santa Cruz, praticamente não houve paralisação. Na
Villa Sánchez, nos arredores do
aeroporto da cidade, o comércio local comemorava a presença de clientes que não haviam
ido ao trabalho no centro. "Para
o meu pai, a greve é muito ruim
porque ele é eletricista, vive de
bicos e ganha por dia", disse
Fred Gómez, 14.
No departamento de Tarija
(sul), a exportação de gás não
foi interrompida pela greve.
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