São Paulo, quinta-feira, 29 de novembro de 2007

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Oposição pára e Morales avança com Carta

Governadores, comércio e empresas de departamentos (Estados) que abrigam 59% da população da Bolívia aderem à paralisação

No Congresso, governistas aprovam medida que permite que Constituinte prossiga votações fora de Sucre, cidade oposicionista

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A SANTA CRUZ DE LA SIERRA (BOLÍVIA)

Os governos, o comércio e as principais empresas de seis departamentos (Estados) da Bolívia pararam ontem contra o presidente Evo Morales.
A greve ocorreu em meio ao agravamento da crise política no país, causado pela aprovação pelo Congresso, de madrugada, de medida que permite à Assembléia Constituinte deliberar em qualquer ponto do país. A medida visa driblar a resistência da cidade de Sucre, sede da Constituinte, à nova Carta proposta pelos governistas.
Liderados por Santa Cruz, departamento responsável por 35% do PIB boliviano, por Tarija, principal centro da produção de gás, e Cochambaba, dona da terceira maior cidade da Bolívia, também fizeram greve os mais pobres Chuquisaca, Pando e Beni (em todos juntos, vive 59% da população boliviana).
Foi a terceira greve "cívica" do ano, convocada pelos dirigentes da oposição conservadora nas regiões e pelos Comitês Cívicos, entidades que reúnem a elite econômica dos departamentos do leste.
Ao menos dez pessoas ficaram feridas em confrontos com manifestantes pró-governo, segundo a agência France Presse. Os maiores confrontos foram em Cochabamba.

Ruas desertas
As ruas do centro de Santa Cruz, capital do departamento de mesmo nome, respondendo a uma espécie de toque de recolher, estavam praticamente desertas. Nem pequenos comércios funcionaram. A população foi orientada a não sair de casa. Pedras e faixas impediam o tráfego na cidade, de 1,5 milhão de habitantes.
"Só 28 dos 64 táxis do aeroporto receberam um selo para circular. Quem desobedece tem os vidros quebrados", disse um taxista que não quis dar o nome, citando as milícias da União Juvenil Cruzenhista. "A greve é ruim para a gente. Não estou a favor do governo, mas está difícil trabalhar no país."
"É uma demonstração de força do povo boliviano contra essa Constituição imposta pelo governo. Dois terços do país concordam. O povo foi fraudado. Não vamos declarar autonomia de fato. É de direito", afirmou um dos líderes da greve, o constituinte Javier Limpias (Podemos), no centro promotor da paralisação, o Comitê Cívico de Santa Cruz.

Comitê Cívico
Além de repudiar a violência no fim de semana na cidade de Sucre e desconhecer o projeto de nova Constituição aprovado pelos governistas, os departamentos querem autonomia em relação a La Paz. Os governos departamentais afirmaram que convocarão um referendo para que a população ratifique o modelo de descentralização que defendem -a base é um documento, a "Carta de Autonomia", ainda em preparação.
Na sede do Comitê Cívico, estavam ontem os principais representantes do empresariado e do agronegócio de Santa Cruz e da Bolívia. "Tirando o gás da conta, somos responsáveis por 50% das exportações do país. Como em todo regime autoritário, o governo quer derrubar o setor produtivo para substituí-lo pelas mãos do Estado", afirmou Oswaldo Karbaum, gerente-geral da Câmara de Exportadores local. Ele avaliou que o departamento perdeu US$ 10 milhões com a greve.
Enquanto o governo diz que as regiões ricas travam "uma guerra econômica" para derrubar o governo -a greve isolou, por via terrestre, a capital La Paz-, os empresários de Santa Cruz dizem que estão sendo perseguidos por Morales. Em Santa Cruz, reclamam de decreto do governo que proibiu a exportação de óleo de soja e dizem que o Executivo tem importado menos diesel do que o necessário para a colheita.

Periferia não adere
Santa Cruz, bastião oposicionista, é o símbolo do relativamente rico oriente boliviano. Com 2,5 milhões de habitantes, é o departamento mais populoso da Bolívia e tem a menor população de origem declaradamente indígena do país -38% contra 62% no geral.
Nos bairros pobres da periferia de Santa Cruz, praticamente não houve paralisação. Na Villa Sánchez, nos arredores do aeroporto da cidade, o comércio local comemorava a presença de clientes que não haviam ido ao trabalho no centro. "Para o meu pai, a greve é muito ruim porque ele é eletricista, vive de bicos e ganha por dia", disse Fred Gómez, 14.
No departamento de Tarija (sul), a exportação de gás não foi interrompida pela greve.


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