São Paulo, quinta-feira, 29 de novembro de 2007

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Equador empossa Constituinte governista

Legisladores da oposição ainda resistem à suspensão do Congresso, prometida há meses pelo governo de Rafael Correa

Nova Carta, a 20ª do país, visa pôr fim à instabilidade política da última década; governistas têm 80 das 130 cadeiras da assembléia

Dolores Ochoa/Associated Press
Presidente do Equador, Rafael Correa, fala a manifestantes durante protesto contra lei proposta pelo Congresso em Quito; Assembléia Constituinte, empossada hoje, deve suspender a Casa

ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO

O governo do Equador empossa hoje na pequena cidade de Montecristi (sudoeste) sua todo-poderosa Assembléia Constituinte, cujos 130 membros redigirão a 20ª Carta Magna do país no rastro de uma década de instabilidade. A expectativa é que a assembléia ordene o fechamento do Congresso a qualquer momento, numa morte anunciada que os parlamentares ainda tentam evitar.
Líder do Congresso, o oposicionista Jorge Cevallos reiterou ontem que não sairá espontaneamente da Casa e alertou que a Constituinte poderá se tornar "um polvo de 130 tentáculos, que arrasaria com toda a institucionalidade construída na história republicana" do país. Cevallos chegou a pedir ajuda das Forças Armadas contra Correa -mas em vão. Ontem, legisladores aprovaram um recesso de um mês para o Congresso -comissões permanentes manterão trabalhos.
Segundo Patricia de la Torre, diretora do Observatório Político da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Quito, os protestos dos parlamentares não encontram eco nas ruas. "Este Congresso é visto como corrupto e não tem nenhuma legitimidade popular", afirmou à Folha. Para ela, "o clima é de festa e expectativa, pois a Constituinte é uma prioridade para os equatorianos".
A nova Constituição foi uma das bases da campanha eleitoral do presidente do Equador, Rafael Correa, que se tornou neste ano o oitavo governante do país em dez anos. Desde a vitória, Correa propõe que o Congresso unicameral seja interrompido durante a redação da Carta. O referendo que aprovou a Assembléia, em abril, teve quase 80% dos votos favoráveis à proposta.

Limpeza
Para De la Torre, o papel principal da Constituinte será o de "limpar" as instituições do governo da "influência de partidos políticos moribundos". "É necessário que todos os organismos de controle governamentais sejam autônomos." Outro ponto importante, para a analista, é o distanciamento do projeto liberal da última Constituição, que data de 1998.
Correa se apóia em índices recordes de popularidade para impulsionar a Assembléia: 74% dos equatorianos aprovam seu governo, segundo um levantamento do Instituto Latinobarómetro divulgado neste mês. É a maior taxa de aprovação da América Latina. Por outro lado, apenas 8% da população confia nos partidos políticos equatorianos -inseridos no Congresso-, no menor índice da região.
"Se agora não conseguirmos mudar radicalmente o país pela via pacífica, da próxima vez as pessoas vão mudá-lo de forma violenta", disse Correa ontem.
Enquanto a Constituinte tem ampla maioria governista -80 dos 130 assentos, o suficiente para aprovar os pontos da Constituição sem acordo com a oposição-, a legenda de Correa, a Aliança País, não tem representatividade no Congresso. A coalizão do presidente boicotou a eleição parlamentar de 2006 após acusar o órgão de inevitavelmente "corrupto".
O virtual presidente da Assembléia, o governista Alberto Acosta, reiterou ontem que os congressistas "não estão à altura do momento". Ele confirmou que adotará uma fórmula proposta nos últimos dias por governistas moderados, de impor um "recesso indefinido" à Casa em vez de dissolvê-la definitivamente. A Assembléia pretende criar uma comissão de 30 membros para aprovar leis.

Rascunho
O estatuto da Constituinte prevê que ela terá duração de 180 dias, prorrogáveis por mais 60. A nova Carta só entrará em vigor após referendo, feito em até 45 dias após a promulgação.
A pedido de Correa, um grupo de juristas reunidos no Conesup -Conselho Nacional de Educação Superior- preparou um rascunho de Constituição, que deverá basear o trabalho dos assembleístas. Nele, a reeleição para presidente, tema caro aos eleitores na América Latina, foi claramente delimitada: só pode ocorrer uma vez.
Consultado pela Folha, o instituto de análises Internacional Crisis Group (ICG) afirmou que o rascunho é positivo e ajuda a garantir a funcionalidade da Constituinte. "Esta proposta predefinida evitará que tentem criar um novo país do zero, como ocorre hoje na Bolívia", afirmou Mauricio Ángel Morales, analista sênior do ICG para América Latina. Ángel também não vê a iminente suspensão do Congresso como um "problema". "É uma ação que tem apoio da população."
Já Wladimir Sierra, diretor do departamento de sociologia da PUC de Quito, avalia que o projeto foi bem fundamentado na parte dogmática, mas é insuficiente em questões de legislação política e regulação das reservas petrolíferas (aproximadamente um terço das verbas do Orçamento do Equador vem da venda do petróleo).
Sierra rejeita, porém, que os superpoderes do órgão ameacem a democracia do país. "Há uma série de observadores civis que vão estar atentos às decisões da Constituinte. Essa imagem de um poder absoluto, não controlado, é falsa e criada pelas oligarquias", afirma.
O ato de inauguração da Assembléia será na sexta. Os presidentes da Colômbia, Álvaro Uribe, e Venezuela, Hugo Chávez, confirmaram presença.


Com agências internacionais


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