São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2011

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MINHA HISTÓRIA LILIAN RUGGIA,56

Ferida Aberta

Lilian Ruggia busca ajuda de Dilma , que visita Buenos Aires amanhã, para encontrar seu irmão, morto há 36 anos pela ditadura brasileira; "os seres humanos precisam sepultar os seus mortos ", afirma a psicóloga argentina

RESUMO
Lilian Ruggia, 56, uma psicóloga argentina cujo irmão é um dos seis argentinos oficialmente reconhecidos como desaparecidos políticos na ditadura brasileira, diz esperar que a ex-guerrilheira Dilma Rousseff a ajude a enterrar o irmão. Amanhã, a presidente faz uma visita à Argentina.
Seu irmão, Henrique Ernesto Ruggia, foi morto pelo Exército brasileiro em julho de 1974 numa emboscada em Foz do Iguaçu. Tinha 18 anos.

LUCAS FERRAZ
DE BUENOS AIRES

Não sei como chegar até Dilma, mas gostaria que ela fizesse algo. Os seres humanos precisam sepultar seus mortos, e espero que ela me ajude a enterrar meu irmão.
Procuro por Henrique há 36 anos, quando ele foi ao Brasil com um grupo de militantes brasileiros que estava exilado na Argentina. Contou que voltaria em uma semana ou dez dias.
Ele se foi no dia 11 de julho de 1974. Tinha 18 anos, faria 19 na semana seguinte.
Como irmã mais velha, sempre fui a pessoa responsável por buscá-lo. Meu pai morreu um mês antes de Henrique partir. Minha mãe, que não entendia nada de política, morreu anos depois sem saber o que realmente aconteceu com ele.
Como ele não voltava, fui a hotéis do centro de Buenos Aires, que naquela época abrigavam muitos brasileiros exilados. Lá, por sorte, encontrei com um irmão de Joel e Daniel de Carvalho. Ele disse que seus irmãos também estavam desaparecidos.
Descobri, depois, que os Carvalho morreram com meu irmão e outras três pessoas: Onofre Pinto, José Lavecchia e Vitor Carlos Ramos.

CILADA
Henrique conheceu esses militantes quando estudava veterinária. Ele se encantou com Joel, que vinha de uma família de opositores à ditadura brasileira.
Eram da VPR [Vanguarda Popular Revolucionária] e viajaram ao Brasil, por Foz do Iguaçu, com o suposto interesse de retomar a luta armada. Mas foi uma cilada.
Pelas informações que recebi, eles foram ajudados por um agente duplo para entrar no país, mas o Exército os esperava do outro lado. Foram fuzilados quando passavam por um caminho de terra.
Na Argentina, procurei Henrique por vários lugares. Os argentinos sabiam que havia uma ditadura no Brasil mas não tinham conhecimento da luta armada. Me deram como louca, que eu delirava com ditaduras.

CERTEZA DA MORTE
Só fui ter a certeza que Henrique morreu ao ver o livro "Brasil: Nunca Mais", acho que em 1985. Todas as pessoas que viajaram com Henrique constavam na lista de mortos ou desaparecidos. Aí caiu minha ficha: meu irmão estava mesmo morto.
Desde então já fui várias vezes ao Brasil. Foram feitas buscas na região do parque nacional de Foz do Iguaçu, mas nada foi encontrado. Nos anos 1990, recebi uma indenização, e o governo brasileiro reconheceu meu irmão como desaparecido da ditadura brasileira.
Infelizmente ninguém do governo brasileiro fez nada até agora. Fui na Chancelaria, escrevi carta para Néstor e Cristina Kirchner, mas o governo argentino também nunca me respondeu.

ESPERANÇA
Mais do que uma esperança, Dilma na Presidência é uma oportunidade de encontrar os restos do meu irmão.
Ela é ex-militante da VPR e pode fazer algo pela verdade e pela Justiça. Uma oportunidade de saber o que aconteceu em Foz do Iguaçu, punir os responsáveis e enquadrá-los como criminosos de lesa humanidade. Não é possível anistiar esses crimes. Esses militares estão morrendo, fica cada vez mais difícil chegar à verdade.
E, claro, quero achar os restos do meu irmão. Repito: os seres humanos precisam sepultar os seus mortos.


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