São Paulo, quinta-feira, 30 de março de 2000


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DEMOCRACIA AMEAÇADA
É o que afirma diretor de missão de observação, que denuncia ações ilegais do governo Fujimori
Eleições no Peru estão "comprometidas"

LARISSA PURVINNI
da Redação

O processo eleitoral está "irremediavelmente comprometido" no Peru, avalia missão de observação integrada pelo Centro Carter e o Instituto Nacional Democrático, com sede nos EUA.
A poucos dias da eleição presidencial, marcada para 9 de abril, o presidente Alberto Fujimori, candidato à "re-reeleição" domina a programação do canal estatal e dos principais canais abertos.
Em entrevista à Folha, o diretor do projeto de observação, Luis Fernando Nunes, 42, afirma que apenas medidas "heróicas" poderiam minimizar os danos.

Folha - Como a missão de observação analisa a campanha eleitoral no Peru?
Luis Fernando Nunes -
Quando a primeira missão chegou ao Peru, em setembro, solicitamos que todos os candidatos tivessem acesso aos meios de comunicação. O segundo relatório foi o mais grave. Denunciávamos a falta de objetividade na mídia, voltada para o governo. Aqui funcionam dois tipos de TV: a TV a cabo, que só consegue atingir umas 300 mil pessoas, e a aberta, com canais que apóiam o governo.

Folha - Qual a relação do governo com a mídia na campanha?
Nunes -
Os canais de sinal aberto estão em más condições financeiras e vivem da publicidade estatal. Calcula-se que o governo gaste US$ 200 mil por dia em publicidade estatal, e as TVs estão entre os principais beneficiários.

Folha - Que outros problemas afetam a campanha?
Nunes
- Candidatos opositores apresentaram queixas de que, quando faziam os comícios, de repente não havia luz elétrica, os telefones não funcionavam. Nas praças onde faziam os atos, o governo aproveitava para fazer algum evento no mesmo local. Tudo "por acaso". Há demasiadas "coincidências". Depois, começamos a descobrir o uso de recursos públicos na campanha eleitoral. Por exemplo, inaugurações de obras públicas, em que apareciam slogans de campanha.

Folha - Com todos esses questionamentos, é possível haver eleições democráticas no Peru?
Nunes -
Estas eleições estão sendo muito questionadas. Há manchas difíceis de limpar. O Onpe, escritório responsável por organizar o pleito, demonstrou estar capacitado tecnicamente, mas há um mês aconteceu algo muito grave. Testemunhas vieram ao nosso escritório confessando haver participado de falsificação de 1 milhão de assinaturas para aprovação da candidatura Fujimori. Como uma coisa dessas é possível, se só o Onpe pode ter acesso a assinaturas originais? O escritório não abriu nem sequer um processo administrativo para investigar.
E esse é o órgão que continuará conduzindo o processo eleitoral. Nosso relatório diz que definitivamente não se estabeleceram as condições para uma campanha eleitoral justa e que, a essa altura, o dano causado à integridade do processo é irreparável.

Folha - Há algo que possa ser feito para minimizar o dano?
Nunes -
Como os outros candidatos ainda seguem em campanha, acreditamos que os resultados ainda não estão totalmente comprometidos. Com base em nossa experiência internacional, pensamos que, se o governo tomasse algum tipo de medida extraordinária, heróica, poderia salvar o processo. Fizemos recomendações para que os meios de comunicação fossem imparciais. Acontece que a missão de observação foi embora e as coisas ainda estão piores. No último fim-de-semana, o canal 7, que pertence ao Estado, passou a mostrar informação eleitoral exclusivamente sobre o presidente, como se os outros candidatos não existissem.

Folha - Mesmo com todas essas limitações, o candidato do movimento Peru Posible, Alejandro Toledo, aparece nas pesquisas com chances de derrotar Fujimori no segundo turno. Como se explica isso?
Nunes -
Cada vez que um candidato começava a subir um pouco, os jornais populares começavam a atacá-lo. Como Toledo não aparecia com destaque nas pesquisas, não sofreu ataques. Conseguiu crescer porque não era alvo e depois já apareceu com uma boa pontuação. O governo lançou agora um contra-ataque, mas, parece, já é um pouco tarde.

Folha - É possível considerar que o Peru seja hoje uma democracia?
Nunes -
É difícil. Ninguém poderia dar uma opinião sincera sobre esse processo sem reconhecer as enormes deficiências da democracia peruana.


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