São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 2005

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DIPLOMACIA

Para comissão, secretário-geral não favoreceu empresa em que filho trabalhava com recursos de programa da ONU

Relatório isenta Annan de corrupção

PEDRO DIAS LEITE
DE NOVA YORK

O mais novo relatório preliminar da comissão independente que investiga desvio de recursos do Programa Petróleo por Comida no Iraque livrou Kofi Annan de acusações de ter favorecido a contratação da empresa suíça que empregava seu filho, Kojo.
O relatório, porém, criticou a atuação do secretário-geral da ONU no caso. Segundo o texto, divulgado ontem, Annan errou ao não determinar que as Nações Unidas investigassem o contrato com a empresa Cotecna depois que surgiram as primeiras denúncias contra a companhia e de envolvimento do filho no escândalo.
Para a comissão, chefiada pelo ex-presidente do Fed (banco central dos EUA) Paul Volcker, o contrato não teria sido renovado por várias vezes se tivesse havido continuidade nas investigações.
Ontem, Kofi Annan afirmou que o relatório que o isenta de irregularidades trouxe um "grande alívio", depois "de tantas acusações falsas". Ele lamentou, no entanto, que Kojo não tenha colaborado e disse que está "profundamente chateado" com o filho.
Em entrevista ontem à TV CNN, Kojo disse: "Lamento qualquer problema que possa ter causado a meu pai. Sou um homem de negócios independente".
A história que abalou a credibilidade de Kofi Annan e da própria ONU começou no final de 1998, quando as Nações Unidas contrataram a empresa suíça Cotecna para fiscalizar o programa Petróleo por Comida. Iniciado em 1996, o programa permitia ao Iraque vender petróleo se o dinheiro fosse usado para a compra de alimentos, medicamentos e outras necessidades básicas.
A Cotecna já tentara duas vezes participar do programa. Em 1992, venceu a concorrência, mas o projeto foi interrompido. Em 1996, perdeu. No segundo semestre de 1998, houve nova disputa pelo contrato, desta feita vencida pela empresa.
O programa durou até novembro de 2003 e movimentou em torno de US$ 64 bilhões. Um relatório do Congresso dos EUA estimou que US$ 21 bilhões tenham sido desviados.
Havia duas sombras sobre o contrato com a Cotecna.
Em primeiro lugar, a empresa tinha como empregado, desde 1995, Kojo Annan, contratado então aos 22 anos. O filho de Annan foi empregado da empresa até 1997, mas em 1998, ano da concorrência vencida pela Cotecna, era seu consultor. Além disso, esteve em Nova York por 15 dias na época mais intensa das negociações, o que ajudou a levantar as suspeitas contra seu pai.
Kojo recebeu dinheiro da empresa no mínimo até março do ano passado. Há quase US$ 200 mil confirmados, mas o valor deve chegar a US$ 500 mil. Apesar de negativas de Kojo, o pagamento foi feito por outras empresas do mesmo dono da Cotecna, numa tentativa de driblar investigações.
O argumento de Annan -acatado pela comissão independente- foi o de que seu filho mentiu para ele sobre suas relações com a empresa. O relatório diz que não há provas de que o secretário-geral soubesse da concorrência vencida pela Cotecna nem de que tenha interferido no processo.
O outro fato negativo que pesa sobre a Cotecna -ponto em que a comissão critica diretamente Annan- diz respeito a uma acusação anterior, sem relação com as Nações Unidas.
Investigações apontaram que a Cotecna pagou milhões de dólares à ex-premiê paquistanesa Benazir Butho para que fosse mantido um contrato milionário com o país. Butho acabou condenada pela Justiça, mas a ONU sempre renovou o contrato com Cotecna, que vigorou até o fim de 2003, quando o programa acabou.
Após a divulgação do relatório, questionado se pretendia renunciar ao cargo, como alguns congressistas americanos sugerem, Annan respondeu: "Nem pensar!".


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