São Paulo, domingo, 30 de março de 2008

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40 anos depois de King, EUA discutem raça

Discurso de Barack Obama reaviva assunto às vésperas de aniversário do assassinato do pastor e ativista negro, na sexta-feira

"Racismo voltou ao centro da sala", afirma estudioso; discurso de outro pastor forçou democrata a usar tema, antes evitado por ele

28.ago.1963/France Presse
No Washington Mall, Martin Luther King Jr. discursa para ativistas da Marcha a Washington


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Em 1968, Barack Obama ainda atendia por "Barry" e era uma criança magricela de seis anos que estudava em Jacarta, na Indonésia, onde vivia com a mãe e o padrasto. Ele não se lembra do que estava fazendo no dia 4 de abril daquele ano, quando Martin Luther King Jr., 39, foi assassinado na varanda do segundo andar do motel Lorraine, em Memphis, no Tennessee, por um tiro disparado às 18h01 locais.
Nesta sexta-feira, quando a morte do líder negro completar quarenta anos, Obama fará um discurso em homenagem ao ex-pastor batista. Entre uma e outra data, "Barry" se tornou o primeiro candidato negro com chances reais de chegar à presidência dos EUA na história do país. De quebra, trouxe a questão racial para o centro do cenário político. Não por vontade própria, mas obrigado pelos sermões de outro pastor, o incendiário Jeremiah Wright.
Um líder abriu caminho para que Obama fosse quem é e outro o levou a tocar num assunto que evitava por medo de alienar o eleitor branco. "Seja qual for o motivo, o fato é que Obama ousou falar do elefante que hoje está no meio da sala de estar de toda família americana", disse à Folha Clarence B. Jones, 77, advogado e ex-escritor de discursos de Martin Luther King. "O racismo."
Jones lança nessa semana "What Would Martin Say?" (o que Martin diria?, editora Harper Collins), sobre os sermões e discursos do ativista, que ele acompanhou por oito anos. Segundo o King Papers Project, da Universidade Stanford, Jones ajudou a escrever o discurso "I Have a Dream" ("Eu Tenho Um Sonho") e conseguiu tirar da cadeia os manuscritos que o líder negro escreveu quando preso, em 1963.
No raciocínio do advogado, a ironia reside no fato de Obama ter sido levado a fazer o que ficou conhecido como "the speech" (o discurso), no dia 18 último, na Pensilvânia, em decorrência da publicidade dos vídeos polêmicos de Wright, publicidade essa que ganharia uma ajuda importante da campanha de uma candidata mulher, no caso Hillary Clinton.

Legado
"Tanto Obama como Hillary se beneficiam do legado de King", diz ele. "Com exceção de Abraham Lincoln, King fez mais pelos direitos civis dos norte-americanos, negros ou mulheres, do que qualquer pessoa em 400 anos de história."
"Em vários momentos, houve comentaristas que me definiram como negro demais ou negro de menos", discursou Obama, na Filadélfia. "A imprensa vem vasculhando todas as pesquisas de boca-de-urna em busca de indícios mais recentes de polarização racial, não só entre negros e brancos mas também entre negros e pardos [latinos]."
No entanto, continua o pré-candidato, foi apenas nas duas últimas semanas que a discussão da raça se tornou "assunto especialmente divisivo". Na verdade, defendem Jones e outros, ela sempre esteve lá -mas foi necessário um catalisador para que saísse debaixo do tapete e chegasse ao centro da sala, nas palavras do advogado.
"A campanha de Barack Obama finge que transcende a questão racial", afirma o acadêmico Shelby Steele, do conservador Instituto Hoover, na Califórnia. "Mas o paradoxo é que sua campanha é toda ela a respeito da questão racial -e sobre pouca coisa mais."
Autor de "White Guilt - How Blacks and Whites Together Destroyed the Promise of the Civil Rights Era" (culpa branca - como negros e brancos, juntos, destruíram a promessa da era dos direitos civis, Harper Collins, 2006), ele divide políticos negros que conseguem ir além do eleitorado de origem em duas categorias: "desafiadores" e "barganhadores".
Os primeiros, segundo ele, têm um estilo confrontador e tendem a alienar o grande público. É o caso de Al Sharpton e Jesse Jackson, dois ativistas e líderes religiosos com candidaturas frustradas à Presidência. Entre os segundos estaria Obama. Por quê? Em troca de ganhar a simpatia da maioria branca, diz o estudioso, o senador deixa de lidar com o histórico de racismo do americano.
Ou deixava, até ser forçado a enfrentar o assunto pelas falas de Wright. Com bons resultados, a julgar por levantamento do Pew Research Center. Dos ouvidos pelo instituto, 51% acharam que a reação do senador ao episódio foi "excelente" ou "boa". A mesma pesquisa -feita nos quatro dias seguintes ao discurso de Obama, por telefone, com 1.503 adultos e margem de erro de cinco pontos percentuais- conclui que a maioria acredita que o fato de Obama ser negro não afetará o total de votos que pode receber. É o que responderam 49% dos ouvidos, ante 21% que acham que o ajudará e mesmo percentual que diz que o prejudicará.
"Eu não estaria disputando a presidência se não acreditasse de verdade que é isso que a imensa maioria dos norte-americanos deseja para o país", discursou Obama. "Nossa união talvez jamais venha a ser perfeita, mas geração após geração demonstrou que ela sempre pode ser melhorada."


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