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40 anos depois de King, EUA discutem raça
Discurso de Barack Obama reaviva assunto às vésperas de aniversário do assassinato do pastor e ativista negro, na sexta-feira
"Racismo voltou ao centro da sala", afirma estudioso; discurso de outro pastor forçou democrata a usar tema, antes evitado por ele
28.ago.1963/France Presse
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No Washington Mall, Martin Luther King Jr. discursa para ativistas da Marcha a Washington |
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Em 1968, Barack Obama ainda atendia por "Barry" e era
uma criança magricela de seis
anos que estudava em Jacarta,
na Indonésia, onde vivia com a
mãe e o padrasto. Ele não se
lembra do que estava fazendo
no dia 4 de abril daquele ano,
quando Martin Luther King
Jr., 39, foi assassinado na varanda do segundo andar do motel Lorraine, em Memphis, no
Tennessee, por um tiro disparado às 18h01 locais.
Nesta sexta-feira, quando a
morte do líder negro completar
quarenta anos, Obama fará um
discurso em homenagem ao ex-pastor batista. Entre uma e outra data, "Barry" se tornou o
primeiro candidato negro com
chances reais de chegar à presidência dos EUA na história do
país. De quebra, trouxe a questão racial para o centro do cenário político. Não por vontade
própria, mas obrigado pelos
sermões de outro pastor, o incendiário Jeremiah Wright.
Um líder abriu caminho para
que Obama fosse quem é e outro o levou a tocar num assunto
que evitava por medo de alienar o eleitor branco. "Seja qual
for o motivo, o fato é que Obama ousou falar do elefante que
hoje está no meio da sala de estar de toda família americana",
disse à Folha Clarence B. Jones, 77, advogado e ex-escritor
de discursos de Martin Luther
King. "O racismo."
Jones lança nessa semana
"What Would Martin Say?" (o
que Martin diria?, editora Harper Collins), sobre os sermões
e discursos do ativista, que ele
acompanhou por oito anos. Segundo o King Papers Project,
da Universidade Stanford, Jones ajudou a escrever o discurso "I Have a Dream" ("Eu Tenho Um Sonho") e conseguiu
tirar da cadeia os manuscritos
que o líder negro escreveu
quando preso, em 1963.
No raciocínio do advogado, a
ironia reside no fato de Obama
ter sido levado a fazer o que ficou conhecido como "the
speech" (o discurso), no dia 18
último, na Pensilvânia, em decorrência da publicidade dos
vídeos polêmicos de Wright,
publicidade essa que ganharia
uma ajuda importante da campanha de uma candidata mulher, no caso Hillary Clinton.
Legado
"Tanto Obama como Hillary
se beneficiam do legado de
King", diz ele. "Com exceção de
Abraham Lincoln, King fez
mais pelos direitos civis dos
norte-americanos, negros ou
mulheres, do que qualquer pessoa em 400 anos de história."
"Em vários momentos, houve comentaristas que me definiram como negro demais ou
negro de menos", discursou
Obama, na Filadélfia. "A imprensa vem vasculhando todas
as pesquisas de boca-de-urna
em busca de indícios mais recentes de polarização racial,
não só entre negros e brancos
mas também entre negros e
pardos [latinos]."
No entanto, continua o pré-candidato, foi apenas nas duas
últimas semanas que a discussão da raça se tornou "assunto
especialmente divisivo". Na
verdade, defendem Jones e outros, ela sempre esteve lá -mas
foi necessário um catalisador
para que saísse debaixo do tapete e chegasse ao centro da sala, nas palavras do advogado.
"A campanha de Barack Obama finge que transcende a
questão racial", afirma o acadêmico Shelby Steele, do conservador Instituto Hoover, na Califórnia. "Mas o paradoxo é que
sua campanha é toda ela a respeito da questão racial -e sobre pouca coisa mais."
Autor de "White Guilt - How
Blacks and Whites Together
Destroyed the Promise of the
Civil Rights Era" (culpa branca
- como negros e brancos, juntos, destruíram a promessa da
era dos direitos civis, Harper
Collins, 2006), ele divide políticos negros que conseguem ir
além do eleitorado de origem
em duas categorias: "desafiadores" e "barganhadores".
Os primeiros, segundo ele,
têm um estilo confrontador e
tendem a alienar o grande público. É o caso de Al Sharpton e
Jesse Jackson, dois ativistas e
líderes religiosos com candidaturas frustradas à Presidência.
Entre os segundos estaria Obama. Por quê? Em troca de ganhar a simpatia da maioria
branca, diz o estudioso, o senador deixa de lidar com o histórico de racismo do americano.
Ou deixava, até ser forçado a
enfrentar o assunto pelas falas
de Wright. Com bons resultados, a julgar por levantamento
do Pew Research Center. Dos
ouvidos pelo instituto, 51%
acharam que a reação do senador ao episódio foi "excelente"
ou "boa". A mesma pesquisa
-feita nos quatro dias seguintes ao discurso de Obama, por
telefone, com 1.503 adultos e
margem de erro de cinco pontos percentuais- conclui que a
maioria acredita que o fato de
Obama ser negro não afetará o
total de votos que pode receber.
É o que responderam 49% dos
ouvidos, ante 21% que acham
que o ajudará e mesmo percentual que diz que o prejudicará.
"Eu não estaria disputando a
presidência se não acreditasse
de verdade que é isso que a
imensa maioria dos norte-americanos deseja para o país", discursou Obama. "Nossa união
talvez jamais venha a ser perfeita, mas geração após geração
demonstrou que ela sempre
pode ser melhorada."
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