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ENTREVISTA DA 2ª
VICTOR YUAN
pesquisador de opinião
Chinês não quer ser visto de cima
Para diretor do principal instituto de opinião da China, elites rechaçam "sermões" de fora, e massas desdenham posição do país no mundo
EM MENOS de 15 dias, a China impediu a
venda de sua maior fabricante de sucos à
Coca-Cola, sugeriu a troca do dólar como moeda internacional e ainda cobrou
dos EUA que "honrem seus compromissos".
Essa nova confiança de superpotência continuará
a crescer, mesmo em tempos de crise doméstica, segundo o sociólogo chinês Victor Yuan, diretor-presidente do mais conhecido instituto de pesquisas do país, o Horizon.
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
"Os chineses querem deixar
de ser olhados de cima e ouvir
sermões do Ocidente sobre democracia e direitos humanos",
diz Victor Yuan. "Apesar de
conscientes da seriedade da
crise, a maioria acha que ela é
de curto prazo, e eles têm enorme confiança no governo."
Com mestrado em Harvard,
ele afirma que sentiu discriminação nos EUA.
"Os professores vivem criticando o governo
chinês, que não somos uma democracia, que nosso desenvolvimento é injusto", recorda.
"Mas para um chinês, criticar o
governo é criticar o país. Não
gostamos de interferência."
Seu instituto de pesquisas foi
criado há 17 anos e estuda desde comportamentos familiares
e de consumo a opiniões políticas. Yuan recebeu a Folha em
seu escritório em Pequim. Os
principais trechos da conversa:
FOLHA - Um best-seller instantâneo, "China Infeliz", alega que, apesar do crescimento econômico, os
chineses estão descontentes com a
globalização e a maneira que o Ocidente vê o país. Há orgulho ferido?
VICTOR YUAN - Discordo que a
China seja infeliz, pois 70% dos
chineses entrevistados por
nosso instituto se demonstram
favoráveis à abertura econômica ou pedem até mais abertura,
e só 15% acham que a China se
abriu demais. O que há é um
sentimento comum, de que a
China ainda é discriminada politicamente e não está à altura
de seu poderio econômico,
olhada de cima por americanos
e franceses. Tratam-nos como
a um animal econômico, ouvimos sermões de que não temos
direitos humanos nem democracia. Agora que não passamos
fome, queremos respeito.
FOLHA - O sr. estudou em Harvard
e em Yale. Sentiu discriminação?
YUAN - Claro. Os professores
falavam de liberdade, que a
China não poderia se desenvolver sem eleições. Não temos
eleições como no Ocidente,
verdade, mas há progresso. E
há mais liberdade. Quando eu
tinha 10 anos, não se podia criticar Mao nem outro dirigente
do Partido Comunista, dava cadeia. Hoje eu posso criticar políticas do presidente Hu Jintao.
FOLHA - Não na imprensa estatal...
YUAN - Essas críticas não chegam à grande mídia, mas as
pessoas as escrevem em seus
blogs. Podemos sentar com os
estrangeiros, trocar ideias. Mas
os chineses não gostam de sentir que estão levando bronca.
FOLHA - O governo chinês impediu
a venda da maior fabricante de sucos do país, a Huiyuan, à Coca-Cola,
que oferecia US$ 2,3 bilhões. Muitos
alegam que a opinião pública era
contra. Os sucos são mercado estratégico ou o problema é a Coca-Cola?
YUAN - Nas enquetes na internet, a maioria foi contra. Há esse sentimento de que as grandes marcas chinesas devem seguir em mãos chinesas. Os mais
velhos sentem nostalgia das
grandes marcas que já não existem. Mas acho que a decisão se
deve à nossa burocracia e a seu
julgamento equivocado.
FOLHA - O senhor era favorável?
YUAN - Talvez eu seja o único
que achasse ótimo vender a
Huiyuan à Coca-Cola. A oferta
da Coca foi feita antes da quebra do [banco americano] Lehman Brothers [que prenunciou
a crise], em setembro. Agora,
nunca mais alguém vai pagar isso pela Huiyuan. A Coca vai poder comprar outras por menos
ou até criar uma marca e enfrentar a Huiyuan. Todos perderam. Foi um recado negativo
ao mundo. Outros governos
agora podem fazer o mesmo e
barrar investimentos chineses.
FOLHA - Se os chineses se tornarem
consumidores nacionalistas, não
complicará o investimento externo?
YUAN - Acho que o nacionalismo faz mais barulho na internet que na vida real. Os chineses tomam Coca-Cola o dia inteiro. O consumidor chinês não
é tão nacionalista como dizem.
Veja o Carrefour. Apesar dos
problemas com a França, das
campanhas de boicote, está
cheio. As pessoas agem com o
bolso. Os chineses não gostam
do Japão, nem dos japoneses,
mas isso não impede que chineses estudem lá nem que compremos produtos japoneses.
FOLHA - Na capa da "Economist",
sob a manchete "Como a China vê o
mundo", EUA e Japão aparecem
grandes, e o resto do mundo, mínimo. Como o chinês vê o Brasil?
YUAN - Na última Feira de
Guangzhou, a delegação brasileira estava entre as cinco
maiores e foi a que mais comprou per capita, pela primeira
vez. Isso chamou a atenção.
Mas comparado a outros países, o Brasil se vende pouco e se
comunica menos ainda com a
China. Já fui várias vezes à Rússia e à Índia, e a Austrália e a
Nova Zelândia vivem convidando líderes chineses para ir
lá. Suas embaixadas fazem promoções. A única vez que estive
no Brasil não foi a trabalho. Tirando a Amazônia e o futebol,
pouco se sabe do Brasil aqui.
FOLHA - Com a crise, a China pode
se interessar mais pelo Brasil?
YUAN - Deve. Temos muito interesse em nossas matérias-primas, o petróleo da África, o
cobre do Chile... e os BRICs
[Brasil, Rússia, Índia e China]
fazem sucesso aqui, como marca. Do pouco que se sabe sobre
América Latina, fala-se de uma
região onde a esquerda tem
crescido, o que é simpático à
China. Governos esquerdistas
nos criticam menos.
FOLHA - A crise econômica já deixou 20 milhões de desempregados
entre os migrantes rurais chineses e
deve complicar a entrada dos formandos no mercado de trabalho. Isso não abala o otimismo chinês?
YUAN - As pessoas estão preocupadas. 72% dos chineses são
otimistas, dez pontos a menos
que em 2008. Mas, comparando a outros países, ainda é extraordinário. A confiança do
consumidor é a menor desde
2000. A preocupação é com o
curto prazo, a longo prazo os
chineses estão confiantes.
FOLHA - Qual é o maior temor dos
chineses hoje?
YUAN - Emprego. Temos 7 milhões de universitários se formando. Os mais otimistas dizem que apenas 30% deles conseguirão emprego, e os mais
pessimistas dizem que só 10%.
Eu diria que as empresas que se
saírem bem da crise vão manter o status quo, sem contratar.
A maioria vai ter que demitir.
Mais 7 milhões de migrantes
rurais irão para as cidades.
FOLHA - Essa crise não afeta o governo? Os protestos aumentaram.
YUAN - Ao contrário de outros
países, os chineses têm uma
enorme confiança no governo.
Que tem poder, tem controle,
tem meios para fazer as coisas.
O governo central tem a aprovação de 90% dos chineses,
muito maior que os governos
locais, que só atingem 45%.
Os bancos aqui não são um
problema. Há quatro grandes
bancos estatais, que estão fornecendo empréstimos. Os ativos dos chineses não caíram
tanto. Mesmo os imóveis, as
quedas são muito pequenas.
Então a crise não atingiu a vida
diária da maioria dos chineses.
FOLHA - Em 30 anos, a China passou de uma sociedade igualitária,
onde todos eram miseráveis, a um
dos países mais desiguais do mundo, mas próspero. A desigualdade
social não pode começar a produzir
ressentimento, criminalidade?
YUAN - A rede de bem-estar social é uma prioridade, junto
com os investimentos em infraestrutura e o estímulo ao
consumo. Ao contrário da Índia
e, ousaria falar, do Brasil, na
China quem é pobre é o camponês. Mas ele tem um pedacinho
de terra e não passa fome. Vive
melhor que antes. O que gera
instabilidade social é a perda da
terra ou da subsistência por
conta de grandes obras do governo ou do mercado imobiliário, com indenizações muito
pequenas. Ou quando, por causa da poluição, da água contaminada, eles não podem mais
plantar. Há milhares de protestos na China por ano sobretudo
por essas duas razões. É o preço
do nosso desenvolvimento.
FOLHA - Mas esses protestos demonstram a fragilidade das instituições chinesas, pois raramente as
pessoas recorrem à Justiça.
YUAN - Os protestos acontecem na frente das prefeituras,
do governo local. Milhares pedem indenização, e o governo
normalmente paga. É a melhor
maneira de se obter alguma
resposta. Concordo com a ausência da Justiça. No tribunal, o
juiz precisa acatar sua petição,
você precisa pagar, leva tempo.
FOLHA - Há 20 anos, houve a manifestação pró-democracia que deu
no massacre da praça da Paz Celestial. A democracia ainda é um desejo
de boa parte dos chineses?
YUAN - Para as elites, democracia é um dos maiores anseios.
Para o público em geral, nunca
entra entre as prioridades. Os
chineses costumam se comparar à Índia. Lá há desordem,
caos, miséria, favelas, mas são a
maior democracia do mundo.
De que adianta a democracia?
Eles veem escândalos de corrupção em Taiwan e dizem
"não quero isso para mim".
FOLHA - Os chineses já se veem como a grande potência mundial?
YUAN - Para a grande maioria, o
papel do país no mundo não
importa. A maioria quer saber
dos filhos, de emprego, de comida, de viver melhor. Para a
elite, é mais importante. Principalmente porque agora os
chineses podem viajar ao exterior, têm acesso à internet e
veem como a China é descrita
no Ocidente. Estudantes que
moram no exterior reclamam
que alunos estrangeiros acham
que os chineses ainda vivem na
Revolução Cultural, na miséria.
Com o poder econômico vem a
demanda de mais respeito,
mais dignidade. Isso só se torna
importante depois que se consegue comer. Nossos jovens são
filhos únicos, pequenos imperadores, muito sensíveis.
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