São Paulo, sexta-feira, 30 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RELIGIÃO

Muçulmanos poderão recorrer a um corpo de imãs em questões como divórcio, desde que a sentença não viole a Constituição

Canadá vai permitir uso da lei islâmica

DAVID USBORNE
DO "INDEPENDENT"

O Canadá está lançando um experimento judicial incomum que vai permitir que muçulmanos do país se submetam às regras do Alcorão para resolver várias questões judiciais, desde divórcios até disputas de negócios.
O novo modelo, que será estudado de perto por outros países ocidentais com crescentes comunidades muçulmanas, será administrado por um corpo de imãs e estudiosos islâmicos chamado o Instituto Islâmico de Justiça, criado no final do ano passado.
A aplicação das decisões judiciais ficará a cargo dos tribunais regulares do Canadá.
Muitos dos 600 mil muçulmanos canadenses aplaudem a oportunidade de resolverem suas diferenças dentro dos preceitos da lei islâmica.
Conhecida como lei da sharia, ela é tirada das páginas do Alcorão e dos ensinamentos do profeta Muhammad. A maioria dos muçulmanos acredita que o Alcorão trace diretrizes divinas em matéria de comportamento social, incluindo as questões relativas ao casamento e aos negócios.

Apedrejamento
Espera-se, além disso, que, se um número significativo de muçulmanos concordar em resolver suas disputas diante dos árbitros, o resultado será uma diminuição da pressão sobre um sistema judiciário já sobrecarregado. "Muitos juízes preferem isso", disse Mohamed Elmasry, presidente do Congresso Islâmico Canadense.
Mesmo assim, a iniciativa é cercada de polêmica, mesmo no interior da comunidade muçulmana. As sugestões de que ela poderia levar ao apedrejamento de mulheres por adultério foram rapidamente rejeitadas pelas autoridades canadenses, que observam que os novos tribunais islâmicos terão de respeitar a Constituição.
As novas cortes, que ainda não julgaram nenhum caso, não poderão lidar com assuntos criminais. Além disso, o governo de Ontário insiste que os casos só serão submetidos aos árbitros muçulmanos, selecionados e treinados pelo Instituto Islâmico, mediante o consentimento voluntário de todas as partes envolvidas.
"As pessoas poderão usar qualquer árbitro que quiserem e poderão fazê-lo num contexto religioso, se isso for aceitável para ambas as partes", explicou Brendan Crawley, porta-voz do procurador-geral do Ontário.
Mesmo assim, resta o temor de que a prática da sharia coloque as mulheres muçulmanas em desvantagem. A lei familiar islâmica tradicional, por exemplo, diz que os homens recebem mais dinheiro do que as mulheres em heranças, que os homens têm o primeiro direito de iniciar divórcios e que têm direito à guarda das filhas antes da puberdade. Para ajudar a contrabalançar tudo isso, o instituto espera assegurar que haja mulheres entre os árbitros.
"Se sou uma mulher de fé, e a comunidade de pessoas que se vêem como líderes disser que eu não sigo as diretrizes da corte da sharia aqui, o Instituto Islâmico, estarei praticamente cometendo blasfêmia e apostasia", alertou Alia Hogben, do Conselho Canadense de Mulheres Muçulmanas.


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Diplomacia: Brasil aumentará seu efetivo no Timor Leste
Próximo Texto: Panorâmica - Peru: Fujimori lidera pesquisa para presidente
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.