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ARGENTINA
Para historiador Lawrence Freedman, guerra encerrou a questão
É alienação reacender debate sobre Malvinas, diz britânico
FÁBIO VICTOR
DE LONDRES
Quando a Guerra das Malvinas
começou, em 2 de abril de 1982,
Lawrence Freedman estava no
seu segundo dia como professor
de estudos da guerra do tradicional King's College, da Universidade de Londres.
Hoje ele é "sir" (cavaleiro da coroa), vice-diretor da faculdade e a
maior sumidade britânica no
conflito que opôs Reino Unido e
Argentina. No ano passado, lançou o livro "The Official History
of the Falklands Campaign" (a
história oficial da campanha das
Malvinas), em dois volumes -o
primeiro sobre as origens da
guerra, o segundo com a campanha e seus desdobramentos.
Em 1997, foi apontado pelo premiê Tony Blair como historiador
oficial do conflito. Só por esta
condição privilegiada é que teve
acesso aos arquivos oficiais do período, que por lei estão vedados à
divulgação até 2012.
O resultado de suas pesquisas
foi apontado por analistas militares britânicos como a obra definitiva da guerra, seja do ponto de
vista "técnico" ou histórico.
Com um olhar que dificilmente
separa suas condições de britânico e historiador, ele classifica de
"alienação" e "abordagem infeliz"
o retorno dos argentinos ao tema
de reivindicação da soberania das
ilhas. Afirma que a reação mundial diante da insistência em reabrir o tema seria desastrosa para
os argentinos e sugere que, em vez
disso, o país sul-americano pense
em propor ao Reino Unido parcerias relacionadas ao território.
Em 1991, Freedman já havia escrito outro livro sobre o conflito,
"Signals of the War" (sinais da
guerra), em parceria com a argentina Virginia Gamba-Stonehouse.
Além destes, é autor de 11 livros de
guerra.
Folha - O 24º aniversário da Guerra das Malvinas reacendeu nos argentinos o sentimento nacionalista em relação às ilhas e gerou pedidos para que o governo volte a reivindicar a soberania sobre o território. Como o sr. analisa essa tendência, e que conseqüências ela
pode ter?
Lawrence Freedman- Há muito
tempo essa é uma questão para a
Argentina, mas não há como resolvê-la. Quanto mais eles procurem meios de pressionar os britânicos, é menos provável que tenham uma resposta. Se Argentina
tivesse uma posição diferente em
1982, eles hoje poderiam ter a soberania das ilhas [por vias diplomáticas]. Na época havia lá uma
população escassa, o Reino Unido
não dava apoio econômico, as
Malvinas não eram viáveis economicamente. Hoje são.
A Argentina optou pela invasão,
houve uma guerra, eles perderam.
A guerra em si já resolveu a questão. Não há como fingir que isso
não existiu e querer agora discutir
a soberania. Não vai acontecer.
Não há apelo político para isso no
Reino Unido, não há pressão econômica para fazê-lo. Se a Argentina insistir nisso, vai se indispor
com a União Européia e outros
organismos. Deveria ser realista e
buscar maneiras de desenvolver
parcerias envolvendo as Malvinas. Porque esse caso sempre foi
tratado de uma maneira alienada.
É uma abordagem infeliz.
Folha - Foi apenas uma questão
de "timing" que fez a Argentina
não retomar as ilhas?
Freedman- A invasão foi uma
má idéia sob todos os aspectos.
Folha - Mas o sr. acha mesmo possível que, tão pouco tempo após a
guerra, a Argentina discuta parcerias com o Reino Unido em torno
das ilhas?
Freedman- Acho que sempre
houve a disposição do Reino Unido de buscar uma boa relação das
Malvinas com o continente. É algo que pode acontecer futuramente. Considerando o que houve no passado, claro que haverá limites do que poderá ser feito.
Folha - Como historiador, mais do
que como britânico, o sr. considera
legítima a reivindicação argentina
de soberania?
Freedman- Se você olhar, pegando como base 1833 [quando o
Reino Unido tomou posse das
Malvinas, habitadas havia 13 anos
por colonos argentinos, expulsando estes], nem britânicos nem
argentinos têm direito particular
sobre as ilhas. O Reino Unido se
baseia no fato de estar há tanto
tempo lá, de ter feito assentamentos de seus cidadãos. O fato é que
o direito sobre o território não foi,
em nenhum dos dois casos, ratificado pela Justiça. Nenhum dos lados jamais foi a qualquer tribunal
internacional.
Folha - Por quê?
Freedman- Eles se baseiam em
noções de contigüidade territorial. É nessas mesmas bases que a
França pode reclamar as Ilhas do
Canal, que o Canadá reivindica as
Ilhas Francesas. Mas isso ignora a
visão da população local. Acho
que um erro da Argentina desde o
início é não levar a sério os direitos dessa população, que não quer
viver sob o Estado argentino.
Folha - No Reino Unido pouco se
fala sobre as Malvinas. Os britânicos desdenham das ilhas e de sua
vitória na guerra?
Freedman- Não, absolutamente,
há orgulho pela vitória.
Folha - Mas pouco se fala...
Freedman- Em parte porque ganhamos, e quando você vence,
aquilo lhe preocupa muito menos
do que se você perdeu. E em parte
porque os argentinos sempre reivindicaram mais as ilhas que os
britânicos. Mas não significa que
não haja aqui um forte apoio.
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