São Paulo, sábado, 30 de agosto de 1997.



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SANTO OFÍCIO
Acusados de se desviarem da doutrina católica terão direito a defesa, segundo norma divulgada ontem
Vaticano abandona regras da Inquisição

MARCELO MUSA CAVALLARI
da Redação

O Vaticano decidiu abandonar a inquisição. A Igreja Católica divulgou ontem novas normas que vão regulamentar os processos contra acusados de se desviarem da doutrina católica.
A partir de agora, o método que deu nome à Santa Inquisição será trocado por um processo contraditório -com direito a defesa- nos moldes dos processos da Justiça comum dos países ocidentais.
Inquisição é sinônimo de inquérito. A palavra -precedida pelo adjetivo "santa"- deu nome ao órgão da igreja responsável por manter a doutrina porque os processos que levava a cabo se davam na forma de um inquérito.
O mesmo juiz que investigava era o que acusava e, frequentemente, o que julgava. Essa Inquisição não se confunde com a Inquisição espanhola, braço da monarquia que foi usado na perseguição a judeus e mouros.
As novas normas da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé -nome atual da Inquisição ou Santo Ofício- prevêem que o processo conte com dois advogados. Um, nomeado pelo Vaticano. O outro, escolhido pelo acusado.
A presença dos dois estará garantida em todas as audiências. Além disso, o bispo da diocese (área de jurisdição dos bispos) de origem do réu será mantido a par de todo o processo.
Segundo o porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro-Valls, "o importante é a total transparência da regulamentação e as garantias adicionais que elas trazem".
O novo processo foi aprovado pelo papa e assinado pelo cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, em maio. Só agora, no entanto, o Vaticano o publicou.
As novas normas não terão efeito retroativo. Decisões como a condenação do ex-franciscano Leonardo Boff ainda valem. Boff foi condenado por afirmações acerca da estrutura da Igreja em seu livro "Igreja, Carisma e Poder".
Para o bispo de Petrópolis, dom José Carlos de Lima Vaz, as mudanças da lei são positivas. Se o caso Boff fosse hoje, ele é que acompanharia o processo.
Dom José Carlos acha que a maior transparência evitaria que discussões teológicas terminassem em condenações por falta de compreensão dos dois lados. Ele cita santo Agostinho: "Nas coisas certas, unidade; nas duvidosas, liberdade. Em tudo, caridade".
O novo processo se aplica a casos ordinários. Em casos "urgentes", o rito é mais sumário.
Casos de heresia (discordância em dogmas de fé), de apostasia (mudança de religião) ou de cismas (rompimento da hierarquia) são urgentes. Seria o caso do padre Tissa Balasuriya, do Sri Lanka. Ele foi excomungado em janeiro por heresia.



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