São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2008

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Mexicanos marcham contra violência

Manifestação hoje tenta reagir a surto de assassinatos ligados ao narcotráfico, que dobraram no último ano

Governo atribuiu aumento dos crimes a ação contra máfias; especialistas vêem crescimento do consumo de drogas no país como indutor

DOUGLAS DUARTE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DA CIDADE DO MÉXICO

A idéia é que palavras e gestos possam conter a onda de assassinatos e seqüestros que tomou conta do México nos últimos dois anos.
Ontem, o país acordou com a notícia de que o crime organizado havia decapitado 12 pessoas em Mérida, capital do Estado de Yucatán. Hoje, milhares de mexicanos em todo o país e em cerca de 30 cidades ao redor do mundo sairão às ruas de branco e velas na mão com o objetivo de pedir um basta na violência. Céticos apontam que mobilizações anteriores do tipo não tiveram resultado.
O catalisador da marcha foi o assassinato brutal de Fernando Martí, de 14 anos, encontrado morto na mala de um carro no último dia 1º, dois meses depois de seu seqüestro. O caso provocou comoção nacional como há muito não se via, especialmente pelo fato de que os seqüestradores não o devolveram vivo nem sequer depois do pagamento de um segundo resgate.
"Martí foi a gota d'água. Pensei imediatamente em minha filha de 16 anos", disse o empresário Elias Kuri numa coletiva de imprensa no lançamento da marcha, há 20 dias. Inicialmente dominada por entidades patronais e acusada de elitismo por certos setores da sociedade mexicana, a iniciativa foi ganhando o apoio de entidades civis, sindicatos e, apesar do pedido expresso de que partidos se afastassem, de políticos.
Na tentativa de responder à mobilização popular, o presidente Felipe Calderón primeiro propôs a pena de prisão perpétua para casos de seqüestro seguido de assassinato, o que deve ter parecido pouco para os 75% de mexicanos que querem a volta de pena de morte, segundo uma pesquisa recente.
Seu próximo passo foi convocar uma "assembléia nacional" para elaborar um pacto contra a insegurança. A reunião logo se converteu numa briga pelos holofotes entre autoridades federais, estaduais e municipais e deixou como resultado um documento de 75 itens, todos com prazos detalhados de implementação e enunciados vagos ou impraticáveis.

Impunidade
"Perdemos uma ótima oportunidade de atacar o problema. Agora teremos que consertar o barco em alto-mar", diz o cientista político Guillermo Zepeda, do Centro de Investigação para o Desenvolvimento, uma entidade independente.
Ele afirma que a grande questão, longe de ser abordada, é a impunidade.
"De que adianta propor a pena de morte, se apenas 15% dos delitos são denunciados, 26% desses esclarecidos, e 55% dos culpados, presos?", pergunta.
No atual governo, a taxa de homicídios ligados ao crime organizado quase dobrou em relação aos números do presidente anterior, Vicente Fox. Desde que Calderón, também do conservador PAN (Partido de Ação Nacional) assumiu, em dezembro de 2006, mais de 4.800 pessoas morreram em confrontos entre traficantes rivais e entre eles e a polícia.
O presidente atribui esse aumento a sua estratégia de enfrentamento do narcotráfico, que inclui o envio de militares às regiões de fronteira com os Estados Unidos, ainda que especialistas afirmem que a mudança se deve ao fato de o México, inicialmente um corredor de transporte de drogas, ter se transformado também em forte mercado consumidor.
Por tudo isso, não é à toa que muitos lembram o escassos resultados de uma primeira marcha realizada em 1997 e de uma segunda, colossal, em 2004.
"É como uma terapia coletiva. A sociedade quer sentir que participa. A idéia é que esse tipo de iniciativa leve a uma sociedade mais vigilante, coisa de que sem dúvida precisamos", diz Alberto Aziz, do Centro de Investigações e Estudos Superiores em Antropologia Social. "Mas, olhando para trás, tenho dúvidas de que vá mudar algo."


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