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São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2003

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Não se pode esperar que Fidel morra, diz opositor

MAURICIO VICENT
DO "EL PAÍS", EM HAVANA

Eloy Gutiérrez Menoyo, 68, nasceu em Madri, mas mudou-se para Cuba ainda criança. Após o golpe de Fulgencio Batista, levantou-se contra a ditadura. Criou uma frente de guerrilha, mas logo se desencantou com o rumo da revolução liderada por Fidel Castro.
Mudou-se para os EUA em 1961 e regressou a Cuba, fortemente armado, em 1965, porém foi preso. Após 22 anos de prisão em Cuba, foi libertado e instalou-se em Miami. Em 1995, voltou a Cuba e pediu autorização a Fidel para abrir escritórios de seu movimento, chamado Cambio Cubano (de oposição), na ilha.
Nunca recebeu resposta do ditador. Quase cego, visitou a ilha em agosto passado e decidiu voltar a viver no país, lutando por um espaço na cena política da ilha. Em Havana e em Miami, pouca gente acredita em sua intenção. Leia a seguir trechos de sua entrevista.
 

Pergunta - Qual é o objetivo de sua volta a Cuba?
Eloy Gutiérrez Menoyo -
Primeiro, minha intenção é obter o direito de viver em Cuba. Não estou infringindo nenhuma lei, creio ter o direito de viver em meu país, já que sou cubano. Segundo, busco um espaço legal para a oposição independente cubana. Sou contrário a uma intervenção e a todas as formas de manipulação por parte de governos estrangeiros, que têm seus próprios interesses.

Pergunta - O sr. pretendia voltar a Cuba dessa forma desde quando?
Gutiérrez Menoyo -
Fazia três anos. Mas, à época, tive de sofrer uma operação oftalmológica e não pude voltar. Pretendia fazê-lo em abril passado, quando o governo previa permitir uma reunião de exilados moderados aqui, mas esse encontro foi cancelado após a prisão dos dissidentes.

Pergunta - Em 1995, Fidel nem respondeu a seu pedido para abrir escritórios de seu movimento em Cuba. É realista pensar que isso será possível agora?
Gutiérrez Menoyo -
Penso que, se for possível abrir esse espaço legal para a oposição, isso servirá de princípio para resolver os outros problemas cubanos. Se fosse inteligente, o governo aproveitaria minha presença aqui para fazê-lo.
Num momento de isolamento, isso seria bom para mudar a imagem do governo aos olhos da União Européia e do restante do mundo. Os EUA poderiam apoiar uma solução do gênero, pois uma extrema direita cheia de ódio seria um fator de desestabilização para o processo democrático.

Pergunta - Muitos exilados dizem que o sr. entrou em acordo com o governo. O que o sr. pensa disso?
Gutiérrez Menoyo -
A posição defendida por meu movimento, favorável ao diálogo e à reconciliação, é criticada por todos os lados. Em 1995, quando voltei a Cuba, fui muito criticado pelos exilados radicais de Miami. Mais tarde, quando participei de uma reunião do governo cubano com dissidentes moderados, fui criticado por muitos cubanos.

Pergunta - O sr. nega que tenha feito um acordo com o governo?
Gutiérrez Menoyo -
Se tivesse feito um acordo para obter mais espaço legal para a oposição, isso seria formidável. Seria a primeira vez em que algo assim ocorreria em Cuba. Se esse pacto existisse, não teria ficado em Cuba da forma como fiquei, gerando uma situação constrangedora para o governo. Vim a Cuba para contribuir para o futuro do país, não para acatar ordens de seu governo, do dos EUA ou de ninguém.

Pergunta - O sr. ainda se considera um revolucionário?
Gutiérrez Menoyo -
Às vezes, dizem que sou um dissidente. Não sou um dissidente, não me afastei da revolução que ajudei a fazer. Considero-me um revolucionário porque ainda creio na revolução, que não foi feita para que houvesse um só partido. Sou um revolucionário porque creio que as coisas tenham de ser mudadas de forma revolucionária em Cuba. Esperar a morte de Fidel de braços cruzados seria uma irresponsabilidade, um desastre.


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