São Paulo, terça-feira, 30 de outubro de 2001

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GUERRA SEM LIMITES

Falta de resultados e morte de civis fazem Bush pedir paciência; Paquistão e sauditas pedem fim de ataques

Campanha dos EUA sofre desgaste

France Presse
Civis afegãos rezam em campo de refugiados controlado pelo Taleban erguido perto da fronteira do Afeganistão com o Irã


IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ISLAMABAD

Ao entrar em sua quarta semana, a campanha militar liderada pelos EUA no Afeganistão acumula sinais de desgaste pela falta de resultados práticos e excesso de ""efeitos colaterais" -para usar o eufemismo para mortes de civis e as crises humanitárias.
Diante do tom mais negativo da cobertura da guerra na mídia americana (ver texto nesta página), o presidente George W. Bush voltou a pedir paciência ontem: "Estou muito contente pelo fato de o povo americano estar paciente. Levará algum tempo para atingirmos nosso objetivo, e eu aprecio a paciência", disse Bush.
As baixas na guerra da propaganda por causa das imagens de civis mortos ou feridos fazem eco às críticas de que os ataques estão sem objetivo concreto, uma vez que faltam informações sobre o paradeiro do saudita Osama bin Laden, apontado como responsável pelos atentados contra os EUA de 11 de setembro.
Do ponto de vista militar, os EUA obtiveram uma rápida vitória tática, o controle dos céus. Mas aí começam os problemas.
Semanas de bombardeios pesados parecem não ter enfraquecido a disposição do Taleban. ""Nós havíamos avisado que isso era coisa para anos, não dias ou meses. Falamos desde o começo, precisamos ter paciência", afirmou ontem o secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld. Ele disse ainda que a culpa pelas vítimas civis do conflito é do Taleban, por não entregar Bin Laden.
Relatos de dentro do Afeganistão afirmam que o Taleban segue motivado e mostrou sua força ao repelir uma ação terrestre de forças especiais dos EUA.
O grupo até faz brincadeira. ""O que há é uma campanha aérea. Nem precisamos de reforços de terra agora", afirmou o embaixador do grupo extremista em Islamabad, Abdul Salam Zaeef, ao comentar por que o regime ainda não aceitou o reforço de entre 5.000 e 10.000 paquistaneses armados com facas e fuzis que estão à espera na fronteira para lutar contra os EUA.
O outro problema é a guerra no solo. A falta de notícias sobre as chamadas operações especiais pode significar que elas estão em pleno curso ou que estão sendo contidas pela falta de resultados -a não ser relatos de forte resistência e danos a helicópteros.
Ainda do ponto de vista militar, há a Aliança do Norte, a fragmentária união de forças anti-Taleban que vem se mostrando ineficiente para tomar alvos prioritários. Em Londres, o embaixador do grupo, Ahmed Wali Massoud, afirmou à Folha que ""é preciso paciência, mas vamos conseguir".
Ontem, o grupo afirmou novamente que está à beira de um ataque em várias frentes, notadamente no norte e noroeste -as forças do Taleban estão mais concentradas na região de Cabul.
A disputa midiática também é perdida na frente humanitária. O alto-comissário para refugiados da ONU, Ruud Lubbers, pediu novamente a abertura das fronteiras paquistanesas aos fugitivos da guerra. O governo de Pervez Musharraf já tem de administrar 2 milhões de refugiados legais, fora um exército de ilegais. Novos campos estão sendo preparados, mas não se sabe se haverá tempo de resolver a questão antes da chegada do rigoroso inverno, até o fim de novembro.
Musharraf está pressionando diariamente por uma redução no nível dos ataques em respeito ao mês muçulmano sagrado do Ramadã, que começa no dia 17.
Os EUA não aceitam o pedido, mas o paquistanês está preocupado com a pressão interna em seu país, mais aguda após o massacre de cristãos por supostos fundamentalistas islâmicos contrários a seu apoio à ofensiva americana.
Também a Arábia Saudita, berço do islamismo, pediu ontem o fim dos ataques. O ministro do Interior, príncipe Nayef, reiterou apoio à campanha contra o terrorismo, mas ressalvou: "Ninguém quer que essa guerra continue porque ela afeta pessoas inocentes, e esperamos que isso acabe".
As agências de ajuda internacional também pedem uma interrupção dos ataques para poder lidar com a crise que pode deixar mais de 7 milhões de afegãos sem alimentos.
Por fim, ameaçam os aliados anglo-americanos os prognósticos negativos sobre o futuro de um Afeganistão no caso de o Taleban cair. Com a execução do popular comandante militar Abdul Haq, na semana passada em Cabul, fica cada vez mais difícil achar nomes de consenso para uma eventual transição de poder.
Haq era um líder respeitado por sua luta contra os invasores soviéticos nos anos 80 e visto como peça-chave na articulação de um governo viável pós Taleban. Como a liderança do Taleban, ele era pashtu -a mesma etnia da maioria dos afegãos, ao contrário da Aliança do Norte, formado por minorias tadjiques e uzbeques.
A missão de Haq era tentar convencer lideranças moderadas do Taleban a trocar de lado. Foi traído e executado.


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