São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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ANÁLISE

Vídeo ajuda tese de Kerry sobre fracasso de Bush

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL À FILADÉLFIA

Osama bin Laden, o homem mais odiado e mais procurado pelos Estados Unidos, entrou ontem na campanha eleitoral norte-americana por meio de um vídeo no qual claramente reforça a propaganda do candidato democrata John Kerry.
Afinal, Kerry vem usando, como principal mote de sua campanha rumo à Casa Branca, na questão da luta contra o terrorismo, a crítica ao fato de que, supostamente, o presidente George Walker Bush abandonou a caçada a Bin Laden para atacar o Iraque, apesar de saber que não havia ligação entre o anterior regime iraquiano e a rede Al Qaeda.
A aparição do terrorista em todas as emissoras norte-americanas de TV, em pleno horário nobre, acaba sendo uma poderosa lembrança de que a caçada de fato fracassou. Pior: Bin Laden posa até de estadista, diante de uma espécie de pódio, como o que é usado pelo próprio Bush, ainda que bem mais rústico.
Kerry não perdeu tempo em repetir o seu mote: disse que Bush tinha a chance de prender Bin Laden em Tora Bora (Afeganistão), mas "delegou a tarefa aos senhores da guerra afegãos". O candidato democrata foi até cruel: não usou literalmente "delegou", mas "outsourced", o novo jargão para a transferência de tarefas para países estrangeiros -outra das inquietações dos norte-americanos, pela perda de postos de trabalho que representa.
Como todas as pesquisas mostram que o ponto forte de Bush é justamente a guerra ao terrorismo, seu adversário tenta miná-lo com a ajuda, involuntária ou não, do líder terrorista.
A reação de George Bush, ao contrário, foi a previsível. Limitou-se a platitudes, como afirmar que "a América não será intimidada ou influenciada por um inimigo". É óbvio.
Disse, ainda, que vai ganhar o confronto contra o terrorismo, outra coisa obrigatória para se dizer em qualquer circunstância, mais ainda quando se é desafiado pelo inimigo.
John Kerry aproveitou para tocar em um ponto da propaganda adversária, a de que ele, supostamente, seria brando com o terrorismo. Negou qualquer hipótese de negociação, o que também é óbvio. Nenhum governante admite que possa negociar com grupos clandestinos e, ainda por cima, violentos.
O candidato do Partido Democrata usou também o episódio para dizer que será "mais efetivo" no combate ao terrorismo do que Bush, uma afirmação obviamente gratuita (não há uma só indicação objetiva de parte de Kerry sobre como vai mudar o combate ao terrorismo). Mas o fato de que a gravação de Osama bin Laden demonstra que os Estados Unidos não estão sendo eficientes no combate ao terrorista número 1 ajuda, como é óbvio, a tese do candidato democrata.
Em mais de uma emissora de TV dos EUA, a interferência de Bin Laden foi comparada ao ataque terrorista aos trens de Madri, no dia 11 de março deste ano. Motivo: quatro dias depois, haveria eleições na Espanha. Nos Estados Unidos, a eleição também será quatro dias após a difusão do vídeo do terrorista.
Na Espanha, os atentados e, mais que eles, a maneira como o governo do conservador José María Aznar tentou manipular a informação a respeito levaram à derrota do governo, e a vitória da oposição socialista, parente ideológica de Kerry.
Mas a comparação é, no mínimo, prematura: desta vez, não houve explosão alguma, e é quase impossível saber a reação do eleitorado norte-americano. Tanto pode achar que a propaganda indireta de Bin Laden em favor de Kerry deve ser frontalmente rechaçada, na medida em que se trata de um inimigo do país como pode convencer-se definitivamente de que Kerry tem, sim, razão, ao dizer que Bush fracassou na guerra ao terror, ao ver que seu principal comandante continua vivo, ativo e desafiador.
De todo modo, uma coisa é certa: se havia alguma, desapareceu qualquer hipótese de que a eleição de terça-feira seja decidida por algum outro fator que não seja o terrorismo.


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