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OLHAR BRASILEIRO
Distorcendo a democracia
GLÁUCIO ARY DILLON SOARES
Para entender as eleições americanas é preciso saber que o país é
uma federação de Estados com alto grau de autonomia, e não um
país unitário; que as eleições são
ossificadas e os resultados se repetem, e que instituições e leis eleitorais influenciam os resultados.
Os Estados são as unidades das
eleições presidenciais. Não há voto direto. O valor do voto está limitado às fronteiras do Estado.
A taxa de renovação dos mandatos legislativos é baixa. De 1964
a 2002, em 15 eleições a taxa de
reeleição para a Câmara foi superior a 90% e, nas demais, superou
85%. Quase todos buscam a reeleição, e os gastos, consideravelmente mais elevados por parte
dos que buscam a reeleição, conspiram contra a renovação. De
1988 a 1994, os gastos dos competidores foram 1/3 dos gastos dos
que ocupavam a cadeira.
O voto distrital aumenta a influência dos deputados. O presidente transfere parte dos seus votos: é o chamado "presidential
coattail effect", mas deputados (e
senadores) também asseguram
votos ao presidente. É um efeito
contra a mudança. A ossificação
já se delineia nestas eleições: dos
30 Estados em que Bush ganhou
em 2000, em apenas um Kerry está na frente além da margem de
erro, 4 são duvidosos e em 30
(86%) Bush está na frente por 5
pontos ou mais. Dos 21 Estados
em que Gore ganhou, em nenhum Bush está à frente cinco
pontos ou mais, 6 são duvidosos e
em 21 (71%) Kerry ganha além da
margem de erro. Em 40 Estados
as pesquisas atuais confirmam resultados de 2000; em 10 está difícil
prever; e em um só, até agora,
houve mudança. Até hoje, 20 de
outubro, as eleições de 2004 reproduzem as de 2000.
Alguns Estados perderam população e terão menos votos no
Colégio Eleitoral; outros terão
mais. As mudanças favorecem
Bush. Todos os que ganharam
dois votos no colégio (Arizona,
Flórida, Geórgia e Texas) são dele
ou tendem para ele. Ralph Nader,
candidato "verde", pode prejudicar Kerry nos Estados em dúvida.
As instituições eleitorais americanas limitarão, mais uma vez, os
resultados. O federalismo e o Colégio Eleitoral seriam obstáculos
menores à representação dos eleitores se os votos do colégio fossem divididos proporcionalmente. Porém a regra é o "winner takes all" [o vencedor leva tudo], a
grande responsável por presidentes serem eleitos com menos votos do que o adversário.
O voto optativo possibilita que
candidatos com a maioria das
preferências na sociedade recebam a minoria dos votos, o que
prejudica os candidatos progressistas, apoiados pelos pobres e pelas minorias, cujas taxas de abstenção são mais altas.
O resultado não é uma foto do
que quer a população. O ideal da
representatividade perfeita vai
sendo distorcido, passo a passo,
por várias instituições políticas e
eleitorais e pelos problemas da sociedade, extremamente desigual
para uma sociedade industrial.
Gláucio Ary Dillon Soares é doutor em
sociologia pela Washington University e
professor aposentado da Universidade
da Flórida.
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