São Paulo, Segunda-feira, 31 de Maio de 1999
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TESTEMUNHAS DE JEOVÁ
Quase 2.000 morreram por se recusar a aderir ao regime; adeptos eram obrigados a usar um triângulo roxo
Cristãos recordam perseguição nazista

PAULO DANIEL FARAH
da Redação

Os nazistas perseguiram, além de judeus, ciganos, homossexuais e comunistas, cristãos que se recusavam a aderir ao regime. É o que os testemunhas-de-Jeová vêm procurando divulgar e debater.
Sobreviventes e pesquisadores vieram a São Paulo, na semana passada, para participar do seminário "Triângulos Roxos - Vítimas Esquecidas do Nazismo".
Na década de 30, havia cerca de 20 mil testemunhas-de-Jeová na Alemanha. Mais de 6.000 foram presos e quase 2.000 morreram.
Eles foram enviados a campos de concentração como Ravensbrück, Wewelburg, Sachsenhausen, Buchenwald e Brandenburg, onde recebiam uma insígnia de identificação própria: um triângulo roxo.
Os testemunhas-de-Jeová recebiam 25 chibatadas ao chegar aos campos e eram proibidos de falar com outros prisioneiros.
Em 1933, ano em que Hitler assumiu o poder, nazistas invadiram o escritório central dos testemunhas-de-Jeová e proscreveram toda a literatura religiosa dessa denominação. A partir desse ano, começaram os problemas com o regime racista, que duraria até 1945.
O congresso "Não os temais!", em 1934, procurou denunciar a perseguição nazista. Um documento alemão de 1936 revela a prisão de 120 testemunhas-de-Jeová. "O diabo colocou seu representante, Hitler, no poder", disse Joseph S. Rutherford, então presidente da Sociedade Torre de Vigia dos EUA (dos testemunhas-de-Jeová).
A manchete da revista Consolação (publicada pela denominação no Brasil) de fevereiro de 1938 dizia: "Terror no Terceiro Reich".
Eles podiam assinar uma declaração (Erklärung, em alemão) para que renunciassem sua fé e se livrassem dos maus-tratos. Por meio dela, comprometiam-se ainda a denunciar qualquer pessoa ligada aos testemunhas-de-Jeová.
É por isso que o historiador Abraham Peck afirma que "os judeus eram vítimas sem opção e os testemunhas-de-Jeová, por opção". Segundo ele, "a hostilidade dos nazistas contra os judeus tinha por finalidade aniquilá-los, não lhes dando quase nenhuma alternativa. A perseguição contra os testemunhas-de-Jeová visava eliminar a religião. Por esse motivo, os nazistas lhes ofereciam liberdade contanto que renunciassem sua fé. A maioria optou por sofrer e morrer junto com outras vítimas do nazismo em vez de apoiar a ideologia de ódio e violência". Para Peck, o regime acreditava que o objetivo político deles era estabelecer um governo teocrático.
O jornal norte-americano "The New York Times" publicou, em sua edição de 16 de setembro de 1939, que o primeiro objetor de consciência alemão a ser fuzilado durante o regime nazista foi August Dickmann, então com 29 anos. Ele era testemunha-de-Jeová e foi acusado de sabotagem.
Os membros dessa denominação cristã geralmente se recusam a prestar o serviço militar.
Ben Abraham, vice-presidente da Associação Mundial dos Sobreviventes do Nazismo, foi enviado a oito campos de concentração, onde passou cinco anos e meio. Ele conheceu testemunhas-de-Jeová e disse que "eles não aceitavam receber funções por parte dos alemães. Comportavam-se com dignidade e eram desprezados por prisioneiros criminosos. A diferença entre eles e todos os prisioneiros é que, renunciando sua fé e comprometendo-se a denunciar os outros que praticavam a mesma crença, eram soltos na mesma hora. Mas preferiam permanecer presos a renunciar a fé".
Para Pedro Catardo, testemunha-de-Jeová, "não pode haver atitude de conformismo perante as autoridades. É preciso resistir espiritualmente".
"Como uma pessoa poderia renunciar sua fé em Deus e ainda ter uma consciência livre, uma relação verdadeira com Deus?", argumenta Rudolf Graichen, testemunha-de-Jeová que sobreviveu ao nazismo. Sua mãe morreu num campo de concentração. "Obedecemos ao governo de Deus, não ao do homem." Após o fim da guerra, Graichen ficou quatro anos preso na Alemanha Oriental, onde, segundo ele, os testemunhas-de-Jeová continuaram a ser perseguidos.


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