São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 2006

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Bombardeio de 1996 ainda ecoa em Qana

GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Após as ruínas romanas de Tiro, Qana se tornou nos últimos anos o segundo destino mais visitado do sul do Líbano. Dezenas de turistas rumavam para a pequena vila todos os dias para visitar o memorial que marca outro bombardeio israelense, no qual mais de cem civis morreram -a maioria crianças- durante a operação "Vinhas da Ira", em 1996, contra o mesmo Hizbollah.
Na época, o massacre levou o Conselho de Segurança da ONU a aprovar uma resolução pedindo o fim de cinco semanas de bombardeios israelenses ao sul do Líbano e dos ataques do Hizbollah a Israel.
Nunca nenhum libanês, especialmente dessa região, esqueceu isso. E não fazem questão de esquecer, apesar de em muitos países o episódio poucas vezes ser lembrado. Quando se visita o local do massacre, crianças e adolescentes aparecem para descrever o ocorrido, pedindo para que contemos no Brasil o que aconteceu nessa vila pobre de maioria xiita.
Essas crianças -que, em alguns casos, nem sabiam falar em 1996- relatam com riqueza de detalhes o que havia em cada lugar e que parentes perdeu. Quase todo habitante de Qana tem um amigo ou parente morto no ataque de dez anos atrás.

Fantasmas presentes
Tudo é muito simbólico para eles, e, por isso nada, nenhum escombro, estilhaço de bomba ou marca de sangue foi retirado lugar. Apenas os corpos foram colocados em túmulos coletivos na entrada, em uma espécie de monumento. Em destaque, uma placa diz: "Massacre de Qana, o Holocausto libanês".
Alguns vendedores anunciam vídeos do dia do massacre na entrada do memorial. Há uma sala dentro do que era o abrigo da ONU onde são exibidos filmes das pessoas queimadas e da operação de resgate. E também são expostas fotos da destruição, com imagens muito parecidas com as de ontem.
Dois tanques israelenses que ficaram no sul do Líbano durante a ocupação estão na entrada do memorial, como símbolo da resistência. Nessa cidade, o ódio aos israelenses é visível. Não há uma pessoa que não ache legítimo qualquer tipo de resistência a Israel após a destruição da cidade, e, por isso, o apoio ao Hizbollah é grande.
No entanto não havia bandeiras do Hizbollah no memorial, apesar de haver em outras partes da vila. Mas várias, com imagem dos cedros, estão expostas. O massacre é visto como um ataque ao povo libanês. Foi o próprio governo de Beirute quem ergueu o memorial. Os libaneses vêem Qana como muitos judeus vêem campos de concentração como Auschwitz.
Certamente o governo libanês ajudará a erguer outro memorial pelos mortos ontem -entre eles, possivelmente, algumas das crianças-guias do outro memorial. O medo é que, em 2016, sobreviventes de ontem ingressem no Hizbollah, haja um novo conflito com Israel, e, novamente, Qana vire alvo de um bombardeio. Pior, que este massacre caia no esquecimento em outros países, e estrangeiros se recordem somente ao visitar a cidade.


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