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Bombardeio de 1996 ainda ecoa em Qana
GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK
Após as ruínas romanas de
Tiro, Qana se tornou nos últimos anos o segundo destino
mais visitado do sul do Líbano.
Dezenas de turistas rumavam
para a pequena vila todos os
dias para visitar o memorial
que marca outro bombardeio
israelense, no qual mais de cem
civis morreram -a maioria
crianças- durante a operação
"Vinhas da Ira", em 1996, contra o mesmo Hizbollah.
Na época, o massacre levou o
Conselho de Segurança da
ONU a aprovar uma resolução
pedindo o fim de cinco semanas de bombardeios israelenses ao sul do Líbano e dos ataques do Hizbollah a Israel.
Nunca nenhum libanês, especialmente dessa região, esqueceu isso. E não fazem questão de esquecer, apesar de em
muitos países o episódio poucas vezes ser lembrado. Quando se visita o local do massacre,
crianças e adolescentes aparecem para descrever o ocorrido,
pedindo para que contemos no
Brasil o que aconteceu nessa vila pobre de maioria xiita.
Essas crianças -que, em alguns casos, nem sabiam falar
em 1996- relatam com riqueza
de detalhes o que havia em cada
lugar e que parentes perdeu.
Quase todo habitante de Qana
tem um amigo ou parente morto no ataque de dez anos atrás.
Fantasmas presentes
Tudo é muito simbólico para
eles, e, por isso nada, nenhum
escombro, estilhaço de bomba
ou marca de sangue foi retirado
lugar. Apenas os corpos foram
colocados em túmulos coletivos na entrada, em uma espécie
de monumento. Em destaque,
uma placa diz: "Massacre de
Qana, o Holocausto libanês".
Alguns vendedores anunciam vídeos do dia do massacre
na entrada do memorial. Há
uma sala dentro do que era o
abrigo da ONU onde são exibidos filmes das pessoas queimadas e da operação de resgate. E
também são expostas fotos da
destruição, com imagens muito
parecidas com as de ontem.
Dois tanques israelenses que
ficaram no sul do Líbano durante a ocupação estão na entrada do memorial, como símbolo da resistência. Nessa cidade, o ódio aos israelenses é visível. Não há uma pessoa que não
ache legítimo qualquer tipo de
resistência a Israel após a destruição da cidade, e, por isso, o
apoio ao Hizbollah é grande.
No entanto não havia bandeiras do Hizbollah no memorial, apesar de haver em outras
partes da vila. Mas várias, com
imagem dos cedros, estão expostas. O massacre é visto como um ataque ao povo libanês.
Foi o próprio governo de Beirute quem ergueu o memorial. Os
libaneses vêem Qana como
muitos judeus vêem campos de
concentração como Auschwitz.
Certamente o governo libanês ajudará a erguer outro memorial pelos mortos ontem
-entre eles, possivelmente, algumas das crianças-guias do
outro memorial. O medo é que,
em 2016, sobreviventes de ontem ingressem no Hizbollah,
haja um novo conflito com Israel, e, novamente, Qana vire
alvo de um bombardeio. Pior,
que este massacre caia no esquecimento em outros países, e
estrangeiros se recordem somente ao visitar a cidade.
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