São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 2008

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entrevista

"Voto mostra país cansado de golpes"

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

A decisão da Justiça turca de não banir o partido AK, no poder, evita que a Turquia mergulhe num cenário catastrófico e revela um país cansado das intervenções no Executivo -houve golpes em 1960, 1971, 1980 e 1997. A avaliação é de Ian Lesser, especialista em Turquia no instituto German Marshall Fund, em Washington. À Folha, por telefone, Lesser também disse que o governo tem agora caminho livre para encarar os problemas reais do país.

 

FOLHA - Como vê a decisão do Tribunal Constitucional?
IAN LESSER
- É um desfecho muito positivo. Se o Tribunal banisse o AK, as conseqüências seriam muito graves e certamente desestabilizariam a política e a economia. As relações de Ancara com a União Européia e até com os EUA também seriam abaladas.
A decisão foi uma grande surpresa, mas o recuo mostrou que o país não queria arcar com o risco de um cenário-catástrofe.

FOLHA - A decisão pode ter provado que as divisões entre seculares e religiosos não são tão claras como se pensava, já que a Justiça era tida como claro domínio da elite laica...
LESSER
- Havia de fato uma tendência generalizada de se retratar a sociedade turca sob o prisma da luta entre Estado e governo. Sob essa ótica, a Justiça era feudo secularista. O voto do tribunal sugere que o quadro é mais complexo.

FOLHA - Qual a dimensão real das sanções financeiras ao AK?
LESSER
- As sanções não afetarão substancialmente o partido, que tem outras fontes de renda, mas servem de aviso ao governo. No fundo, a decisão afeta mais os secularistas linha-dura, que podem ter superestimado seu poder.

FOLHA - O voto afetará a forma de governar do AK?
LESSER
- O AK já vinha governando bem, de forma aberta e democrática. Não vejo grandes mudanças no curto prazo. Talvez a maior lição seja que a Turquia se mostrou cansada das intervenções no governo. Isso é um marco.
Agora o AK tem as mãos livres para encarar os reais problemas do país.

FOLHA - Quais problemas?
LESSER
- O maior é a questão curda, que envolve fronteira e segurança interna, com a ameaça de atentados do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão). Além disso, o governo tem que encarar a desigualdade social. O país prospera há anos, mas isso não se reflete na vida dos pobres. Por fim, o governo deve aproveitar para revitalizar a relação com a UE. Admito que a adesão ao bloco esteja mais no campo europeu, mas os turcos têm sua parte a cumprir, sobretudo no que diz respeito às reformas e ao reconhecimento de Chipre.


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