São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997.



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RECOLONIZAÇÃO
Diplomatas de Comores acusam Paris de complô para voltar a dominar Anjouan; franceses negam
Ilha africana quer voltar a ser francesa

MARTA AVANCINI
de Paris

Um complô comandando pela França teria dado início ao movimento separatista e de recolonização que está em andamento na ilha de Anjouan, no leste da África. A versão do complô é defendida pela representação do governo de Comores em Paris.
A ilha é uma das quatro que integram o arquipélago de Comores, localizado no canal de Moçambique, oceano Índico. Além de Anjouan, ele é composto por Grande Comore, Mohéli e Mayotte.
As três primeiras compõem a República Federal Islâmica de Comores, formada depois da proclamação da independência em relação à França, em 1975. A população de Mayotte decidiu por meio de plebiscito permanecer colônia francesa.
Os moradores de Anjouan declararam sua independência em relação a Comores e estão reivindicando o retorno à condição de colônia da França.
"Há uma rede de informações que visa manipular os jovens da ilha de Anjouan. Eles se deixam levar pela vontade de ter um passaporte francês e acabam sendo enganados", afirmou à Folha Ahmed Wadaane Mahamoud, 36, encarregado de negócios da Embaixada de Comores em Paris.
Mahamoud está substituindo o embaixador do país, ausente para participar de uma missão diplomática.
Os separatistas argumentam que, quando Anjouan era colônia francesa, tinham um melhor nível de vida. Eles também se dizem prejudicados pelo governo central, que estaria concentrando os investimentos na ilha de Grande Comore, abandonando o restante do território.
Com uma taxa de desemprego de 90% e uma economia baseada na exploração de baunilha e outras plantas aromáticas, Comores é considerado um dos países mais pobres do mundo.
Conflito
Munidos de cartazes com o slogan "A França para Todos" -usados pelo presidente francês, Jacques Chirac, durante sua campanha eleitoral de 95-, os separatistas realizaram em 14 de julho uma passeata pelas ruas de Mutsamudu, capital de Anjouan.
Ao final do protesto, eles proclamaram a independência e colocaram uma bandeira da França no alto do prédio da sede do governo para expressar seu desejo de voltar à condição de colônia.
O governo francês, por sua vez, não quis se envolver e defende uma solução pacífica para a crise.
Quanto à hipótese de um complô levantada pelo representante do governo comorense em Paris, ela é considerada infundada pelo Ministério das Relações Exteriores da França.
"Isso não faz o menor sentido. É um problema interno das Ilhas Comores que tem de ser resolvido pelos cidadão dos país", disse Jacques Rummelhardt, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores.
Negociações
Desde meados de agosto, um representante da OUA (Organização da Unidade Africana) está em Comores mediando as negociações entre separatistas e o governo central.
"Estamos abertos à negociação, mas não abrimos mão de três coisas: da integridade territorial de Comores, da soberania e da legitimidade do presidente", afirmou Mahamoud.
O atual presidente, Mohamed Taki Abdoulkarim, se elegeu em 96. "Foi uma eleição justa, acompanhada por mais de 60 observadores internacionais. Não há o que contestar", disse.
Na visão de Mahamoud, o discurso da recolonização oculta um interesse dos oposicionistas em desestabilizar o país.
"São pessoas que estão preocupadas com seus próprios problemas. Elas não querem que o país decole, cresça", disse o encarregado de negócios.
Os oposicionistas, por sua vez, atribuem o movimento separatista à crise econômica.
"A juventude não tem esperanças", disse Said Ali Kemal, uma das lideranças de oposição, ao jornal francês "Libération".



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