São Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 2007

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Para autor, sem Blair e Diana acaba era de euforia britânica

Há dez anos, morte da princesa e vitória do ex-premiê trabalhista uniram o país

Para Harris, fatos marcaram momento de mudança da Coroa e criaram em meio à população uma identidade comum, que já não existe

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

O fim dos anos Tony Blair e o aniversário de dez anos da morte da princesa Diana, hoje, encerram uma era de entusiasmo coletivo no Reino Unido. Essa é a opinião do jornalista britânico John Harris, autor de "The Last Party: Britpop, Blair and the Demise of English Rock" (A última festa: britpop, Blair e a morte do rock inglês), em que mostrava como, no fim dos anos 90, transformações culturais e sociais fizeram com que o país tivesse a sensação de estar, novamente, vivendo a euforia dos "swinging sixties" (anos 60). Harris trabalha no prestigiado diário "The Guardian" e escreve também para revistas musicais. Leia trechos da entrevista que concedeu à Folha, por telefone, de Londres.

 

FOLHA - Como a morte de Diana relaciona-se com o ambiente cultural da "Cool Britannia"?
JOHN HARRIS
- A "Cool Britannia" teve um ponto alto na cultura pop no momento em que Tony Blair recebeu os músicos do Oasis em sua residência oficial, em 1997. A idéia de que vivíamos, de novo, na "swinging London" dos anos 60 estava disseminada. Então outros grandes eventos coletivos potencializaram essa sensação. O fato de termos perdido a Eurocopa no ano anterior foi um trauma que uniu as pessoas. Comentava-se o resultado do campeonato como se fosse a coisa mais terrível que o país poderia estar vivendo. E era preciso compartilhar essa tristeza nos bares, no trabalho. Então, em 1997, vieram a vitória dos trabalhistas e a morte de Diana, dando impulso a essa transformação coletiva.

FOLHA - Por quê?
HARRIS
- A sensação que tínhamos era que, por um momento muito breve, concordávamos sobre algo, que era necessário pertencer a uma multidão em luto. Assim como nos sentíamos coagidos a chorar pela derrota da seleção, agora tínhamos de enterrar juntos a princesa.

FOLHA - E como isso dialogou com a vitória dos trabalhistas?
HARRIS
- Politicamente tínhamos a sensação de que a vitória dos trabalhistas era muito maior e mais importante do que realmente foi. É claro que muitos haviam votado pelos conservadores, mas, pelo ânimo coletivo, não parecia. A impressão era de que Tony Blair ganhara com 100% dos votos.

FOLHA - Por quê?
HARRIS
- Foi uma grande reação ao que tínhamos vivido no período Thatcher (1979-1990), que passou a ser visto, naquela época, como um tempo sombrio, de divisão social e econômica. Hoje ainda somos divididos, mas, nos anos 80, estávamos muito mais preocupados com o inimigo entre nós. Agora é diferente, vivemos mais no mundo e o inimigo vem de fora. Olhando daqui, parece delirante a idéia de que uma simples negação coletiva ao Partido Conservador pudesse fazer com que nos tornássemos uma nova nação. Mas foi assim, a vitória trabalhista foi uma oportunidade para que muita gente sentisse conforto ao compartilhar uma reação política.

FOLHA - Qual avaliação você faz do uso que Tony Blair fez do episódio da morte de Diana?
HARRIS
- É muito difícil não ser cínico numa situação como essa, especialmente se você é um político. Mas não sei se, quando [o porta-voz] Alastair Campbell veio com a expressão "princesa do povo", estava pensando em um movimento político genial. Acabou tomando uma proporção gigantesca porque referendou uma sensação de que Blair estava acima da política. A habilidade que teve em transformar-se em alguém que falava por toda a nação é um mérito dele. Ele teve a capacidade de ler o que as pessoas estavam pensando, e como os ventos estavam mudando.

FOLHA - E a monarquia mudou como, desde Diana?
HARRIS
- Houve uma grande transformação, relacionada ao momento político da Inglaterra. O filme "The Queen" reflete isso bem. Mostrou que aqueles que votavam pelos trabalhistas poderiam de algum modo concordar com a monarquia. E a monarquia, que debatia como sobreviver durante um governo trabalhista, reagiu. Adotou uma cara mais moderna.

FOLHA - E isso se manterá?
HARRIS
- Não creio. Depois que a rainha morrer, vai ser uma outra história. Ela representa uma ligação da Inglaterra de hoje com a do país que saiu vitorioso da Segunda Guerra.
É um emblema de continuidade. Já Charles não sei que emblema será. E disso depende o destino dessa monarquia.

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