|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Líder das Mães da Praça de Maio leva política à cozinha
Hebe de Bonafini ministra há um mês aulas em que mistura culinária com comentários críticos a adversários dos Kirchner
"Nos alteramos porque a 4ª Frota vem rastrear nossas costas, mas ignoramos quando se metem em nossos estômagos", diz
Cézaro de Luca -31.jan.08/Efe
|
|
Hebe de Bonafini lidera as Mães da Praça de Maio em um protesto; nas horas vagas, ela cozinha
ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES
Sem o glamour de Jamie Oliver, a tradição da maravilhosa
Ofélia e a ternura de Dona Benta, uma senhora argentina vem
ganhando espaço no mundo
das aulas de culinária. O convite para o curso já mostra que
sua proposta é diferente.
"Às vezes, nos alteramos porque vem a Quarta Frota dos
EUA rastrear nossos rios e costas, mas ignoramos quando se
metem em nossas cozinhas, em
nossos estômagos, em nossas
casas." É assim que Hebe de
Bonafini, 80, histórica líder da
Associação Mães da Praça de
Maio, pretende angariar alunos
para o curso "Cozinhando Política", em que começou, há quatro semanas, a promover suas
receitas socialistas para expulsar o capitalismo da cozinha,
com pratos acessíveis ao bolso.
A aula é filmada como em
qualquer programa de culinária, mas o cenário é histórico: a
cozinha é improvisada em uma
sala de aula da antiga Esma (Escola de Mecânica da Marinha),
principal centro de tortura da
última ditadura argentina
(1976-1983), hoje convertido
em museu e espaço cultural.
Com Bonafini, não podia ser
diferente. Líder da entidade
que reúne mães de militantes
políticos desaparecidos durante a ditadura desde 1979, ela teve dois filhos e uma nora desaparecidos no regime militar.
Após anos de oposição a diferentes governos, se tornou uma
das principais figuras de apoio
da gestão do ex-presidente
Néstor Kirchner e da de sua
mulher e atual mandatária,
Cristina, que tem como bandeira política a punição dos crimes
da ditadura.
Ela defende o presidente venezuelano, Hugo Chávez, ataca
o americano George W.Bush, e
até Lula, admirado na Argentina, é alvo de sua língua ferina.
Disse certa vez que o brasileiro
fez um "pacto com o diabo". No
caldeirão de Hebe de Bonafini,
a política sempre mete a colher.
Nas primeiras aulas, teóricas,
a "mãe" discutiu as origens do
McDonald's e leu um texto do
uruguaio Eduardo Galeano que
fala da "globalização do hambúrguer, da ditadura da fast
food". Na última aula, em que a
Folha ocupou um dos bancos,
não faltaram críticas ao prefeito de Buenos Aires, Mauricio
Macri, rival dos Kirchner, e ao
setor ruralista, que protagonizou um conflito de quatro meses com o governo de Cristina.
Duas alunas, professoras de
escolas públicas, reclamam que
a comida servida nos colégios é
horrível. "Mas também com o
Macri no governo... Só quer saber de encher de gente [as escolas], sem condições. Por isso,
ninguém mais vai votar nele",
sentencia Bonafini.
O prato do dia é um guisado
de cevada perolada, carne e legumes, cozinhado com panelas
e utensílios doados pelos alunos. Enquanto prepara a refeição, com avental e sem o típico
lenço que caracteriza as mães
da praça, a chef reclama do preço dos cereais. "Todos estão
muito caros", resmunga.
"É o campo! É o campo!", repetem os alunos, seguidores de
Bonafini, que chama os líderes
ruralistas de golpistas e os acusa de serem responsáveis pelas
desaparições do regime militar.
Entre os alunos está Marcos
da Silva, um jardineiro brasileiro que vive há 20 anos na Argentina. E também Daniel Ballester, um jornalista argentino
que se exilou no Brasil durante
a ditadura e que tinha como
principais passatempos em
Florianópolis, onde vivia, comer quibe e ler a Folha.
Depois de repartir a comida e
saciar o apetite dos cerca de 30
"estudantes", Bonafini quer relaxar. Toma o vinho doado por
um aluno, não sem antes criticar. "O que é isso? Vinho de
missa?"
Texto Anterior: OSCE culpa Geórgia por guerra, diz revista Próximo Texto: Artigo: Não se iludam, Obama é um autêntico intervencionista Índice
|