São Paulo, sexta, 31 de outubro de 1997.



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RELIGIÃO
Simpósio sobre o tema começa em Roma; Vaticano fará encontro similar em 98 para debater a Inquisição
Igreja faz autocrítica sobre antijudaísmo

da Redação

Os preconceitos que circularam durante séculos nas sociedades cristãs "sufocaram" sua capacida de de se opor ao anti-semitismo nazista, disse ontem o dominicano Georges Cottier, considerado o teólogo mais próximo do papa João Paulo 2º, citado pela agência de notícias "France Presse".
A declaração foi feita na abertura do simpósio "As Raízes do Anti judaísmo no Cristianismo". Com 60 participantes, entre cardeais, bispos e teólogos, o encontro vai até amanhã e é fechado ao público.
Segundo Cottier, os trabalhos devem dar ao papa João Paulo 2º "um material de qualidade cientí fica indiscutível para a redação de um documento sobre as responsa bilidades históricas dos cristãos neste terreno".
Apesar de o nome do evento fa lar em anti-semitismo, o Vaticano tem preferido usar o termo antiju daísmo, para ressaltar que a cono tação é religiosa, e não político.
A comunidade judaica italiana expressou insatisfação por espe cialistas judeus não terem sido convidados para o simpósio.
A luz que guia o encontro, se gundo Cottier, é um documento de 1965 do Concílio Vaticano 2º. Chamado de "Nostra Aetate" (Em Nossos Tempos), condena o an ti-semitismo e afirma que não se pode culpar os judeus coletiva mente pela crucificação de Jesus.
A seguir, leia trechos de entrevis ta do teólogo Cottier ao jornal ita liano "Corriere della Sera". O pa dre dominicano fala das comemo rações do Jubileu do ano 2000 e dos seminários sobre o antijudaís mo (em andamento) e sobre a In quisição (no ano que vem).

Pergunta - Por que o anti-semi tismo e a Inquisição foram escolhi dos e outros temas, como a escra vidão, ficaram de fora?
Georges Cottier -
Esses dois te mas pareceram prioritários pelo caráter geral, pela duração históri ca, pelas implicações teológicas e também pela vastidão do escânda lo que provocaram e ainda hoje provocam.
Acima de tudo, porém, há a indi cação do papa de que, entre os "pecados" históricos a se fazer penitência, em primeiro lugar está "o consentimento com métodos de intolerância e até de violência a serviço da verdade".
Não havia tempo para tratar de outros temas. E, sobre os escravos, o papa já falou bastante.
Pergunta - E as vítimas da intole rância, como Savonarola? Dada a finalidade da pesquisa, não era mais eficaz estudar as pessoas e o que elas sofreram?
Cottier -
Foi proposto estudar o casos dele, como os de Bartolo meo de las Casas e Giordano Bru no, mas preferimos estudar temas gerais. Nós trabalhamos no plano universal. É possível, e até desejá vel, que outras comissões, nacio nais ou regionais, tratem desses nomes. Em Florença, recentemen te, foi proposta a abertura de pro cesso de beatificação de Savonaro la, que, espero, possa ser concluí do até o final do século.
Pergunta - Os dois simpósios se rão abertos ao público?
Cottier -
Não, serão fechados e reservados a especialistas. Mas es peramos publicar os resultados.
Pergunta - Que tipo de resultado se espera?
Cottier -
Podem ser teses ou apenas um relatório.
Pergunta - Que especialistas fo ram convidados a participar?
Cottier -
Sobre o anti-semitis mo, chamamos só especialistas cristãos, mas não apenas católicos. Teremos também protestantes e ortodoxos.
Pergunta - Nenhum judeu?
Cottier -
Já que os problemas dizem respeito à teologia cristã, nos limitamos a cristãos. Estuda remos as raízes do anti-semitismo como um problema interno da igreja: não aquele que já existia an tes do cristianismo, nem aquele que surgiu depois do Iluminismo e que tem outras motivações.
O objetivo é menos conhecer o fato histórico do anti-semitismo, sobre o qual já há muitos trabalhos bem feitos, e mais dar um juízo teológico: como foi possível que cristãos, bispos e papas, até mes mo santos, tenham sido passivos, tolerantes e tenham até persegui do os judeus, justificando tudo is so com razões de fé.
Pergunta - Há anos o Vaticano está preparando um documento sobre o anti-semitismo. As conclu sões desse simpósio ajudarão?
Cottier -
Não. Esse documento, já encomendado, foi confiado à Comissão para Relações Religio sas com o Judaísmo. Ele tratará do anti-semitismo hoje e do empe nho da Igreja para a superá-lo.
Pergunta - O simpósio sobre a Inquisição também será reservado a estudiosos cristãos?
Cottier -
Não, provavelmente convidaremos também estudiosos laicos. Nesse caso a questão é mais histórica do que teológica.
Pergunta - Por que vocês estão falando de inquisições, no plural?
Cottier -
Porque não houve so mente a Inquisição espanhola, à qual nos referimos normalmente ao falar de inquisição em geral. Houve também uma inquisição medieval e, mais tarde, uma ro mana. Trataremos de todas.
Pergunta - Com base nas conclu sões dos simpósios, o papa vai pe dir perdão?
Cottier -
A previsão é essa. To do o trabalho é feito tendo em vis ta um "ato de perdão", no âmbi to do Jubileu. Nós entregaremos as nossas conclusões ao cardeal Roger Etchegarray, presidente da comissão do Jubileu. Ele levará ao papa, que decidirá sobre o perdão.
Pergunta - Não é extraordinário que o diretor dos simpósios seja um dominicano, sendo que foram os dominicanos os principais res ponsáveis pelas inquisições? É uma brincadeira da história?
Cottier -
Claro que podemos fazer algumas piadas sobre isso! Houve e há dominicanos de dife rentes orientações. Em 1832, quando se deu a última batalha so bre Galileu aqui no Vaticano, a de fesa e a oposição à publicação das obras do cientista foram feita por dominicanos.



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