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RELIGIÃO
Simpósio sobre o tema começa em Roma; Vaticano fará encontro similar em 98 para debater a Inquisição
Igreja faz autocrítica sobre antijudaísmo
da Redação
Os preconceitos que circularam
durante séculos nas sociedades
cristãs "sufocaram" sua capacida
de de se opor ao anti-semitismo
nazista, disse ontem o dominicano
Georges Cottier, considerado o
teólogo mais próximo do papa
João Paulo 2º, citado pela agência
de notícias "France Presse".
A declaração foi feita na abertura
do simpósio "As Raízes do Anti
judaísmo no Cristianismo". Com
60 participantes, entre cardeais,
bispos e teólogos, o encontro vai
até amanhã e é fechado ao público.
Segundo Cottier, os trabalhos
devem dar ao papa João Paulo 2º
"um material de qualidade cientí
fica indiscutível para a redação de
um documento sobre as responsa
bilidades históricas dos cristãos
neste terreno".
Apesar de o nome do evento fa
lar em anti-semitismo, o Vaticano
tem preferido usar o termo antiju
daísmo, para ressaltar que a cono
tação é religiosa, e não político.
A comunidade judaica italiana
expressou insatisfação por espe
cialistas judeus não terem sido
convidados para o simpósio.
A luz que guia o encontro, se
gundo Cottier, é um documento
de 1965 do Concílio Vaticano 2º.
Chamado de "Nostra Aetate" (Em
Nossos Tempos), condena o an
ti-semitismo e afirma que não se
pode culpar os judeus coletiva
mente pela crucificação de Jesus.
A seguir, leia trechos de entrevis
ta do teólogo Cottier ao jornal ita
liano "Corriere della Sera". O pa
dre dominicano fala das comemo
rações do Jubileu do ano 2000 e
dos seminários sobre o antijudaís
mo (em andamento) e sobre a In
quisição (no ano que vem).
Pergunta - Por que o anti-semi
tismo e a Inquisição foram escolhi
dos e outros temas, como a escra
vidão, ficaram de fora?
Georges Cottier - Esses dois te
mas pareceram prioritários pelo
caráter geral, pela duração históri
ca, pelas implicações teológicas e
também pela vastidão do escânda
lo que provocaram e ainda hoje
provocam.
Acima de tudo, porém, há a indi
cação do papa de que, entre os
"pecados" históricos a se fazer
penitência, em primeiro lugar está
"o consentimento com métodos
de intolerância e até de violência a
serviço da verdade".
Não havia tempo para tratar de
outros temas. E, sobre os escravos,
o papa já falou bastante.
Pergunta - E as vítimas da intole
rância, como Savonarola? Dada a
finalidade da pesquisa, não era
mais eficaz estudar as pessoas e o
que elas sofreram?
Cottier - Foi proposto estudar o
casos dele, como os de Bartolo
meo de las Casas e Giordano Bru
no, mas preferimos estudar temas
gerais. Nós trabalhamos no plano
universal. É possível, e até desejá
vel, que outras comissões, nacio
nais ou regionais, tratem desses
nomes. Em Florença, recentemen
te, foi proposta a abertura de pro
cesso de beatificação de Savonaro
la, que, espero, possa ser concluí
do até o final do século.
Pergunta - Os dois simpósios se
rão abertos ao público?
Cottier - Não, serão fechados e
reservados a especialistas. Mas es
peramos publicar os resultados.
Pergunta - Que tipo de resultado
se espera?
Cottier - Podem ser teses ou
apenas um relatório.
Pergunta - Que especialistas fo
ram convidados a participar?
Cottier - Sobre o anti-semitis
mo, chamamos só especialistas
cristãos, mas não apenas católicos.
Teremos também protestantes e
ortodoxos.
Pergunta - Nenhum judeu?
Cottier - Já que os problemas
dizem respeito à teologia cristã,
nos limitamos a cristãos. Estuda
remos as raízes do anti-semitismo
como um problema interno da
igreja: não aquele que já existia an
tes do cristianismo, nem aquele
que surgiu depois do Iluminismo e
que tem outras motivações.
O objetivo é menos conhecer o
fato histórico do anti-semitismo,
sobre o qual já há muitos trabalhos
bem feitos, e mais dar um juízo
teológico: como foi possível que
cristãos, bispos e papas, até mes
mo santos, tenham sido passivos,
tolerantes e tenham até persegui
do os judeus, justificando tudo is
so com razões de fé.
Pergunta - Há anos o Vaticano
está preparando um documento
sobre o anti-semitismo. As conclu
sões desse simpósio ajudarão?
Cottier - Não. Esse documento,
já encomendado, foi confiado à
Comissão para Relações Religio
sas com o Judaísmo. Ele tratará do
anti-semitismo hoje e do empe
nho da Igreja para a superá-lo.
Pergunta - O simpósio sobre a
Inquisição também será reservado
a estudiosos cristãos?
Cottier - Não, provavelmente
convidaremos também estudiosos
laicos. Nesse caso a questão é mais
histórica do que teológica.
Pergunta - Por que vocês estão
falando de inquisições, no plural?
Cottier - Porque não houve so
mente a Inquisição espanhola, à
qual nos referimos normalmente
ao falar de inquisição em geral.
Houve também uma inquisição
medieval e, mais tarde, uma ro
mana. Trataremos de todas.
Pergunta - Com base nas conclu
sões dos simpósios, o papa vai pe
dir perdão?
Cottier - A previsão é essa. To
do o trabalho é feito tendo em vis
ta um "ato de perdão", no âmbi
to do Jubileu. Nós entregaremos
as nossas conclusões ao cardeal
Roger Etchegarray, presidente da
comissão do Jubileu. Ele levará ao
papa, que decidirá sobre o perdão.
Pergunta - Não é extraordinário
que o diretor dos simpósios seja
um dominicano, sendo que foram
os dominicanos os principais res
ponsáveis pelas inquisições? É
uma brincadeira da história?
Cottier - Claro que podemos
fazer algumas piadas sobre isso!
Houve e há dominicanos de dife
rentes orientações. Em 1832,
quando se deu a última batalha so
bre Galileu aqui no Vaticano, a de
fesa e a oposição à publicação das
obras do cientista foram feita por
dominicanos.
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