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"Se Congresso disser não, seguirei lutando"
Em entrevista à Folha após assinatura de acordo, Zelaya diz que "apenas povo", que o elegeu, pode retirar o seu cargo
Presidente deposto diz que suas prioridades, caso volte ao poder, serão organizar eleições e reinserir Honduras
na comunidade internacional
DO ENVIADO A TEGUCIGALPA
Minutos depois da assinatura do acordo com o governo interino, o presidente deposto de
Honduras, Manuel Zelaya, disse que a decisão no Congresso
não é sobre a sua volta ao poder,
mas sobre "a restituição da democracia" no país, dando a entender que não reconhecerá
uma decisão contrária a ele.
"Não é o meu cargo que está
em discussão. É a restituição da
democracia e do país. Apenas o
povo pode retirar o meu cargo",
afirmou à Folha em entrevista
na embaixada brasileira, onde
completa 40 dias abrigado
-quatro a mais do que o repórter da Folha.
Leia, a seguir, os principais
trechos da entrevista:
(FABIANO MAISONNAVE)
FOLHA - Quão confiante está o sr.
em que o Congresso aprove a sua
restituição?
MANUEL ZELAYA - Em primeiro
lugar, o cargo que ostento foi
obtido em eleições. O povo me
nomeou presidente e comandante geral das Forças Armadas. Esse mandato está vigente
e termina em 27 de janeiro de
2010. Concordamos que o regime "de facto" envie ao Congresso o expediente de todo esse problema de golpe de Estado
para que o Congresso faça a situação retroagir a 28 de junho,
onde a titularidade do Poder
Executivo foi expulsa de forma
inadequada.
Não há dúvidas de que esse
seja o caminho concreto. Agora, que o Congresso queira fazer, isso é sua faculdade.
FOLHA - Mas qual é o seu grau de
otimismo?
ZELAYA - Acredito que, como
presidente dos hondurenhos,
tenho respeito pelos três Poderes do Estado. Todos os Poderes são independentes, nenhum Poder tem autoridade
sobre o outro. Nesse caso, sou
respeitoso da opinião que eles
emitam. Agora, meu cargo não
está em jogo para a opinião do
Congresso Nacional, mas sim a
restituição da democracia. Estão em jogo também, logicamente, a paz e a tranquilidade
às quais o país tem de voltar. O
meu cargo foi dado pelo povo, e
só o povo pode me substituir.
FOLHA - Há algum pré-acordo ou
sinal de que o Congresso aceitará
sua restituição?
ZELAYA - Tenho contato com
muitos no Congresso e com dirigentes de diferentes partidos.
E, logicamente, o que o Congresso tem de fazer não se trata
de um problema pessoal. O
Congresso, neste caso, tem de
analisar muito bem essa situação para que o país possa voltar
à tranquilidade.
FOLHA - Caso o Congresso rechace
a sua restituição, o que o sr. fará?
ZELAYA - Continuarei lutando
pelo que tenho direito. Continuarei lutando pelo que represento, isso não termina com a
decisão de um Poder de Estado
ou dois. Recorde que dois Poderes do Estado se associaram para continuar um processo de
ruptura da ordem democrática.
Agora, estamos acudindo a um
dos Poderes do Estado para
criar uma honrosa retificação.
Isso não me inibe a manter a
minha luta para melhorar a democracia hondurenha.
FOLHA - Mas o sr. aceitaria uma decisão contrária e exortaria a comunidade internacional a aceitá-la também como algo dentro do marco democrático?
ZELAYA - O rompimento da ordem constitucional não está
dentro do marco democrático.
Ou seja, todo o mundo qualificou o que aconteceu em Honduras como golpe de Estado.
FOLHA - Portanto, o sr. apenas
aceitará um resultado favorável no
Congresso?
ZELAYA - Não posso explicar
mais para que você entenda.
Não é o meu cargo que está em
discussão. É a restituição da democracia e do país. Apenas o
povo pode retirar o meu cargo.
FOLHA - O sr. pretende continuar
na embaixada enquanto não haja
resultado?
ZELAYA - Eu estou aqui sob a
proteção do Brasil, e o Brasil está me dando essa proteção.
FOLHA - O sr. tem alguma ideia do
que Thomas Shannon disse a [Roberto] Micheletti para que mudasse
tão rápido de opinião?
ZELAYA - Você é um jornalista
constante, metódico e que usa
muito a imaginação. Eu entendo que há um momento em que
se pode valorizar, numa sociedade, os interesses sociais e os
particulares. Nesse caso, a avaliação em Honduras deveria ser
em seu conjunto, incluindo Micheletti, e os interesses gerais,
interesses de toda a sociedade
hondurenha. Imagino que essa
prática tenha versado sobre esse campo.
FOLHA - Como ficará o ambiente
político do país com a sua eventual
restituição?
ZELAYA - As minhas duas metas, caso o acordo político no
Congresso se concretize, serão
a realização de eleições livres,
em igualdade e em transparência, e que possamos voltar a incorporar Honduras na OEA
[Organização dos Estados
Americanos] e que todos os
países voltem a abrir relações
com Honduras. Ao mesmo
tempo, recuperar os fundos paralisados [o corte de repasses
de instituições multilaterais e
dos EUA]. A paz retornará a
Honduras.
FOLHA - Como compor um gabinete para tão pouco tempo?
ZELAYA - Um gabinete se faz em
dois dias. Sou um político com
bastante experiência, tenho 20
anos nesse trabalho. Na minha
vida privada, sou empresário. É
um gabinete para terminar o
governo, não é para administrar o país, como se eu estivesse
começando a administração.
FOLHA - No longo prazo, o senhor
pensa em criar um novo partido e
em impulsionar a reforma da Constituição [estopim de sua deposição]?
ZELAYA - Não acredito. No momento, não tenho um estado de
ânimo nesse sentido planejado,
nem nada. No momento, quero
terminar o meu governo lutando, se me restituírem. Se não
me restituírem, continuarei lutando pelo que acredito.
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