São Paulo, sábado, 31 de outubro de 2009

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"Se Congresso disser não, seguirei lutando"

Em entrevista à Folha após assinatura de acordo, Zelaya diz que "apenas povo", que o elegeu, pode retirar o seu cargo

Presidente deposto diz que suas prioridades, caso volte ao poder, serão organizar eleições e reinserir Honduras na comunidade internacional


DO ENVIADO A TEGUCIGALPA

Minutos depois da assinatura do acordo com o governo interino, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, disse que a decisão no Congresso não é sobre a sua volta ao poder, mas sobre "a restituição da democracia" no país, dando a entender que não reconhecerá uma decisão contrária a ele. "Não é o meu cargo que está em discussão. É a restituição da democracia e do país. Apenas o povo pode retirar o meu cargo", afirmou à Folha em entrevista na embaixada brasileira, onde completa 40 dias abrigado -quatro a mais do que o repórter da Folha. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista: (FABIANO MAISONNAVE)

 

FOLHA - Quão confiante está o sr. em que o Congresso aprove a sua restituição?
MANUEL ZELAYA
- Em primeiro lugar, o cargo que ostento foi obtido em eleições. O povo me nomeou presidente e comandante geral das Forças Armadas. Esse mandato está vigente e termina em 27 de janeiro de 2010. Concordamos que o regime "de facto" envie ao Congresso o expediente de todo esse problema de golpe de Estado para que o Congresso faça a situação retroagir a 28 de junho, onde a titularidade do Poder Executivo foi expulsa de forma inadequada. Não há dúvidas de que esse seja o caminho concreto. Agora, que o Congresso queira fazer, isso é sua faculdade.

FOLHA - Mas qual é o seu grau de otimismo?
ZELAYA
- Acredito que, como presidente dos hondurenhos, tenho respeito pelos três Poderes do Estado. Todos os Poderes são independentes, nenhum Poder tem autoridade sobre o outro. Nesse caso, sou respeitoso da opinião que eles emitam. Agora, meu cargo não está em jogo para a opinião do Congresso Nacional, mas sim a restituição da democracia. Estão em jogo também, logicamente, a paz e a tranquilidade às quais o país tem de voltar. O meu cargo foi dado pelo povo, e só o povo pode me substituir.

FOLHA - Há algum pré-acordo ou sinal de que o Congresso aceitará sua restituição?
ZELAYA
- Tenho contato com muitos no Congresso e com dirigentes de diferentes partidos. E, logicamente, o que o Congresso tem de fazer não se trata de um problema pessoal. O Congresso, neste caso, tem de analisar muito bem essa situação para que o país possa voltar à tranquilidade.

FOLHA - Caso o Congresso rechace a sua restituição, o que o sr. fará?
ZELAYA
- Continuarei lutando pelo que tenho direito. Continuarei lutando pelo que represento, isso não termina com a decisão de um Poder de Estado ou dois. Recorde que dois Poderes do Estado se associaram para continuar um processo de ruptura da ordem democrática. Agora, estamos acudindo a um dos Poderes do Estado para criar uma honrosa retificação. Isso não me inibe a manter a minha luta para melhorar a democracia hondurenha.

FOLHA - Mas o sr. aceitaria uma decisão contrária e exortaria a comunidade internacional a aceitá-la também como algo dentro do marco democrático?
ZELAYA
- O rompimento da ordem constitucional não está dentro do marco democrático. Ou seja, todo o mundo qualificou o que aconteceu em Honduras como golpe de Estado.

FOLHA - Portanto, o sr. apenas aceitará um resultado favorável no Congresso?
ZELAYA
- Não posso explicar mais para que você entenda. Não é o meu cargo que está em discussão. É a restituição da democracia e do país. Apenas o povo pode retirar o meu cargo.

FOLHA - O sr. pretende continuar na embaixada enquanto não haja resultado?
ZELAYA
- Eu estou aqui sob a proteção do Brasil, e o Brasil está me dando essa proteção.

FOLHA - O sr. tem alguma ideia do que Thomas Shannon disse a [Roberto] Micheletti para que mudasse tão rápido de opinião?
ZELAYA
- Você é um jornalista constante, metódico e que usa muito a imaginação. Eu entendo que há um momento em que se pode valorizar, numa sociedade, os interesses sociais e os particulares. Nesse caso, a avaliação em Honduras deveria ser em seu conjunto, incluindo Micheletti, e os interesses gerais, interesses de toda a sociedade hondurenha. Imagino que essa prática tenha versado sobre esse campo.

FOLHA - Como ficará o ambiente político do país com a sua eventual restituição?
ZELAYA
- As minhas duas metas, caso o acordo político no Congresso se concretize, serão a realização de eleições livres, em igualdade e em transparência, e que possamos voltar a incorporar Honduras na OEA [Organização dos Estados Americanos] e que todos os países voltem a abrir relações com Honduras. Ao mesmo tempo, recuperar os fundos paralisados [o corte de repasses de instituições multilaterais e dos EUA]. A paz retornará a Honduras.

FOLHA - Como compor um gabinete para tão pouco tempo?
ZELAYA
- Um gabinete se faz em dois dias. Sou um político com bastante experiência, tenho 20 anos nesse trabalho. Na minha vida privada, sou empresário. É um gabinete para terminar o governo, não é para administrar o país, como se eu estivesse começando a administração.

FOLHA - No longo prazo, o senhor pensa em criar um novo partido e em impulsionar a reforma da Constituição [estopim de sua deposição]?
ZELAYA
- Não acredito. No momento, não tenho um estado de ânimo nesse sentido planejado, nem nada. No momento, quero terminar o meu governo lutando, se me restituírem. Se não me restituírem, continuarei lutando pelo que acredito.


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