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Ensaio

NICHOLAS KULISH

Tabu alemão sobre judeus está em xeque

BERLIM - A julgar pela efusão de comentários de políticos e de escritores e pelos artigos na imprensa respondendo a um poema em que o escritor Günter Grass criticava a agressividade de Israel contra o Irã, a impressão é de que a opinião pública rejeitou em peso a sua obra.

Mas uma breve passada de olhos nos comentários dos leitores em vários sites revela uma realidade bem diferente.

Grass -ganhador do Nobel de Literatura em 1999 e autor do famoso romance "O Tambor", ambientado na Segunda Guerra Mundial- cutucou um nervo sensível ao expressar críticas a Israel. As mesmas, aqui na Alemanha, costumam ser manifestadas com frequência na esfera privada, mas raramente em público, por causa do persistente peso do passado. Mas isso está mudando. Aquilo que há uma geração ficaria restrito ao jantar familiar ou a uma mesa de bar está hoje plenamente exposto, não só no poema de Grass, mas em fóruns da internet e em grupos do Facebook.

Uma palavra surge reiteradamente nas discussões: "Keule" (porrete). A acusação de antissemitismo imputada aos críticos de Israel -e, no caso de Grass, a evocação de seu passado como membro das forças nazistas quando adolescente- é amplamente vista como um instrumento brutal que silencia o debate e que acaba impedindo Grass de argumentar a respeito dos perigos de que Israel tome a iniciativa de atacar o Irã por causa do seu contestado programa nuclear.

Os críticos de Grass são principalmente da elite política e cultural, ao passo que sua base de apoio parece ser mais abrangente -embora Grass não seja considerado o melhor porta-voz para essas opiniões, por causa do seu passado nazista.

"As opiniões publicadas estão todas vindo dos suspeitos de sempre", disse Claus Stephan Schlangen, um dos criadores de um grupo do Facebook que apoia o poema de Grass. "As pessoas simplesmente não acreditam mais no que a mídia está vendendo."

"O Que Deve Ser Dito", o poema de 69 versos publicado por Grass no jornal alemão "Süddeutsche Zeitung", argumentava que Israel é uma ameaça à paz mundial por causa dos seus alertas de que poderá atacar o Irã em decorrência do programa nuclear persa.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, repreendeu pessoalmente Grass pelo poema e o ministro do Interior anunciou que o escritor é "persona non grata" e está proibido de entrar no país. Grass, que parece satisfeito com a atenção, comparou Israel a Mianmar e à extinta Alemanha Oriental da época da Guerra Fria, os únicos outros países que já barraram sua entrada.

A crítica a Israel é uma antiga tradição entre intelectuais europeus, especialmente de esquerda, e o poema de Grass causou pouca comoção no continente fora da Alemanha. Mas as elites políticas e acadêmicas daqui com maior frequência resistem a essa tendência, preferindo ver o apoio básico a Israel como uma responsabilidade alemã, ou mesmo uma necessidade, por causa do Holocausto.

A reação popular à polêmica, porém, sugere que tal atitude está perdendo força à medida que a Segunda Guerra Mundial fia para trás na história. "No populismo que você vê vindo à tona com grande força, o público está todo ao lado de Grass", disse Georg Diez, jornalista da revista "Der Spiegel", que teceu críticas ao poema.

Pacifistas saíram em defesa de Grass, elogiando-o por ter trazido para o discurso público o tema de um ataque por iniciativa de Israel. "A voz dele tem um peso significativo aqui", disse Manfred Stenner, diretor da Rede Alemã da Paz, em Bonn. "Há muito tempo temos dito que uma solução política precisa ser encontrada."

Na Alemanha, como em outros lugares da Europa e nos Estados Unidos, o conflito com os palestinos rendeu detratores a Israel. E para os alemães, que internalizaram o pacifismo como a mais importante lição da Segunda Guerra, a linguagem agressiva empregada por Israel contra o Irã parece alarmante.

O jornalista israelense Ze'ev Avrahami, dono de um restaurante em Berlim, disse que deixou Israel porque não podia apoiar as políticas do país na Cisjordânia e na faixa de Gaza. Mas ele considerou inquietante o tom das discussões.

"Eles não estão autorizados a dizer nada sobre o povo judeu e nunca dirão nada sobre o povo judeu, mas dizer qualquer coisa a respeito de Israel está ok", afirmou Avrahami. "Isso é absolutamente o novo antissemitismo para nós."

"Israel já recebeu críticas", disse ele, "mas não nesse nível".

Victor Homola colaborou com reportagem

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