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Ensaio - Terrence Rafferty

Edgar Alan Poe atrai e atormenta cineastas

Podemos presumir que Edgar Allan Poe não descansa em paz na sepultura em Baltimore em que foi enterrado em 1849, aos 40 anos de idade. Nas obras que o fizeram famoso -poemas como "O Corvo" e "Annabel Lee", contos como "A Queda da Casa de Usher" e "Ligeia"-, a morte nunca é o fim: alguma coisa sobrevive e não é feliz.

Poe morreu quase meio século antes da invenção do cinema, mas a sétima arte reconheceu um espírito irmão quando o viu pela frente e começou imediatamente a remexer suas cinzas.

D. W. Griffith fez um curta intitulado "Edgar Allan Poe" em 1909. Cinco anos mais tarde, o mesmo cineasta dirigiu o longa-metragem "The Avenging Conscience", baseado em grande parte em "O Coração Revelador".

Violenta, assustadora, romântica e nitidamente insalubre, a obra de Poe parecia feita para o cinema naquela época -e ainda parece. Os tempos mudaram, mas o fascínio dos cineastas por sua obra continua.

"O Corvo", de James McTeigue, estreou em 27 de abril na América do Norte e chegará ao resto do mundo até o fim de junho. É o 241° filme (ou filme adaptado feito para a televisão) da obra de Poe. Esta produção mais recente mostra o próprio escritor (representado por John Cusack) perseguindo um serial killer cujos métodos são inspirados em seus contos. Os devotos de Poe vão reconhecer temas de muitas histórias do autor.

As adaptações de Poe mais conhecidas provavelmente são os oito filmes de baixo orçamento dirigidos por Roger Corman entre 1960 e 1964. Mas, mesmo quando Corman estava sendo razoavelmente fiel aos textos, o ritmo parece errado, deliberado e imponente demais para o estilo narrativo ofegante e acelerado de Poe.

Repleta de assassinatos, loucura e fantasmas, a obra de Poe é irresistível para cineastas por causa de suas imagens ousadas e impacto emocional poderoso. Apesar disso, porém, Poe não é tão apropriado para o cinema quanto seus escritos sugerem. Um grande problema é que ele escreveu quase exclusivamente em formatos curtos e seus efeitos são altamente concentrados. Diluído, um conto como "A Máscara da Morte Vermelha" pode parecer tolo.

"The Avenging Conscience" é surpreendentemente convincente, apesar do abismo que separa a sensibilidade decadente de Poe do humanismo sincero de Griffith. Este nem sequer tenta recriar a atmosfera gótica da obra "O Coração Revelador". Ele apenas pega o conceito central da história -um morto, com seu coração aparentemente ainda batendo, é escondido sob o piso do quarto de seu assassino- e o utiliza como símbolo da culpa do assassino. "The Avenging Conscience" mal parece um filme de horror e, surpreendentemente, isso funciona bem. Griffith trata a história como um drama moral e por isso o filme carrega mais convicção que muitas adaptações de Poe que procuram intensificar o caráter assustador do escritor mais assustador que já viveu.

Dario Argento é um dos poucos diretores cuja sensibilidade chega perto de ser tão imaginativamente repugnante quanto a de Poe. Em "Dois Olhos Satânicos" (1990), ele usa um estilo aveludado que combina com Poe. É tudo o que se pode pedir e, normalmente, é obtido por diretores europeus. Roger Vadim, Louis Malle e Federico Fellini montaram a antologia "Histórias Extraordinárias" (1968). "William Wilson", de Malle, é memorável.

Mas o filme mais assustador já feito a partir de obras de Edgar Allan Poe foi o curta de 15 minutos "The Fall of the House of Usher" (1980), do animador tcheco Jan Svankmajer.

Não há seres humanos, apenas uma casa de aparência morta no meio de uma paisagem que parece estar mergulhando nela mesma. As palavras de Poe, lidas na trilha sonora, preenchem os espaços vazios. O ritmo do filme é enlouquecedor e inconfundível: é o bater do coração sombrio do autor.

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