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Tendências Mundiais - Inteligência/ Roger Cohen

Um insulto mal-escolhido

Escândalo expressa um Reino Unido pseudoigualitário

Londres

A classe está de volta ao Reino Unido pseudoigualitário. Na verdade, nunca desapareceu.

Esta é a terra dos elegantes "toffs", ricos da classe alta, e dos "chavs", da classe baixa, tendo entre eles "o meio espremido".

Os "toffs" frequentam escolas públicas (do tipo britânico, particulares), falam corretamente, andam a cavalo e vão ao Glyndebourne para a ópera de verão com champanhe. Seus filhos tiram uma folga depois da escola para fazer algo digno no Peru ou no Quênia, antes de irem para Oxford ou Cambridge. Como diz o velho ditado, não importa em que universidade você estude no Reino Unido -as duas são boas.

Os "chavs" -um neologismo que existe há dez anos- são os idiotas da classe trabalhadora, pelo menos como são vistos pelos que decidem empregar a palavra para desdenhar deles. Eles vivem na "chav land", pronunciam o "h" como "haitch" (em vez de "heitch"), não fazem curso superior e têm sotaque do "estuário inglês" (o estuário do Tâmisa a leste da capital).

Quanto ao meio espremido, eles murmuram sobre os "hedgies" (uma classe constituída pela elite das finanças globais, e a única que tem condições de morar no centro de Londres) e sofrem em silêncio melancólico.

Na verdade, é claro, o Reino Unido é muito mais complexo do que sugerem as velhas discussões entre refinamento e pobreza. Os filhos dos "toffs" têm aparecido em universidades como Bristol, Warwick e Leeds. A mobilidade ascendente não é totalmente desconhecida, mesmo que David Cameron, formado no Eton College, lidere um gabinete cheio de ex-alunos de escolas públicas. Milhões de imigrantes não se encaixam nos antigos moldes ou caricaturas de classe.

E então, ao que parece, há os "plebs" [plebeus]. Ninguém sabia que ainda existiam pessoas que se referiam a eles por essas palavras. Até que Andrew Mitchell, um deputado conservador que foi aluno de uma fábrica de "toffs" chamada Rugby School, perdeu a cabeça no mês passado com um policial que teve a ousadia de confrontá-lo.

Mitchell, o principal deputado conservador e, portanto, uma pessoa muito importante, estava tentando pedalar de Downing Street para Whitehall. Ele pediu que o portão principal para veículos fosse aberto para ele. Não, respondeu o policial. Segundo o manual, Mitchell teria de conduzir a bicicleta pelo portão de pedestres, como todo mundo.

Seguiu-se uma torrente de palavras inadequadas para um jornal familiar. Entre eles, Mitchell fez a descrição dos "plebs" para o oficial, que, disse ele, deveria aprender qual era o seu (palavrão) lugar.

O policial descreveu a cena em suas anotações: "O público estava visivelmente chocado e eu fiquei um tanto surpreso com a linguagem usada e a opinião expressa por um alto membro do governo".

E, assim, nasceu um escândalo. Mitchell pediu desculpas e nega ter usado a palavra "plebs", embora o termo apareça no registro feito na hora do incidente.

Cameron, como de hábito, defendeu seu colega. Boris Johnson, o prefeito de Londres, renovado pelo triunfo olímpico, adicionou seu nome a uma longa lista de pessoas proeminentes que exigiram a renúncia de Mitchell.

Mitchell deveria sair por seu acesso de vaidade. Se o Reino Unido é pseudoigualitário, tal preconceito rude por alguém da classe dele é inaceitável.

Cameron, desde que assumiu o cargo, tentou livrar sua imagem e a de sua mulher, Samantha, da dos "toffs". Para isso ele pagou o preço se aproximando de Rupert Murdoch, que lhe deu um tratamento favorável nos tabloides. Seu verdadeiro pensamento -ou pelo menos uma ótima simulação do pensamento "toff"- foi oferecido por Catherine Bennett, a colunista do "Guardian" que escreve semanalmente o satírico "Diário da Sra. Cameron".

" 'Pleb' não é uma palavra que Dave usaria, quero dizer, 'civilian' ou 'oik' [também sinônimo de pessoas de classe baixa] são muito mais a nossa cara", escreveu. O diário continua: "Dave ficou meio: me desculpeeeem, não quis ofender! Eu mesmo, Samantha, acho que teria feito o mesmo, e, francamente, como as pessoas não riram da situação?"

E assim, entre "toffs", "snobs", "oiks", "plebs" e "chavs", o Reino Unido avança em meandros.

A risada final, é claro, está com os "hedgies", que gostam de morar no Reino Unido, mas não se dignificam a trabalhar lá, tratando todo o célebre país como se fosse uma espécie de ilhas Cayman melhoradas.

Para um "hedgie", neste mundo globalizado, Mitchell é sem dúvida um "pleb".

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